“O futuro sitiado para dentro dos limites do que acreditamos viável” I Poesia de Sofia Ferrés
Posted On 27 de Março, 2025
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[Imaginação 1]
Anseio ingênuo, reimaginar o mundo
Um sonho indulgente,
uma batalha ativa
contra um aparato que diz
seremos repetição do que já é.
O futuro sitiado
para dentro dos limites
do que acreditamos viável.
Hábito frívolo, ser realista
alimentar o mesmo sofrimento
colapsos, desgraças,
numa incremental e pragmática
prática da previsão.
O que significaria conjurar
futuros absurdos?
Aprazer perigosamente
expressões de libertação
Imaginar histórias
que nos permitam lembrar
que tudo o que está criado
foi um dia fictício?
Teremos então a imaginação
não como instrumento para um futuro distante
mas ação do agora
em recusa do que já se cansou de existir.
*
[Imaginação 2]
Imagine tudo ser revelado
permanente, totalmente aberto
sujeito ao escrutínio, às gramáticas dos vizinhos
Nada curvado à luz do espaço-tempo.
Feliz o anseio molecular da exposição!
Nem mesmo à memória poderá fugir
a extensão escura do esquecido.
Imagine se cada byte de experiência faz-se eterno
lembrado, preservado, arquivo cibernético
E convocaremos cada ancestral
para as docas da inquisição:
o trauma intergeracional julgado pelas partes
postos por fim às claras.
Imagine se tudo fosse útil.
Se não houvesse segredos.
Nem opacidade, sombras ou conspirações
Apenas a precisão imaculada
da superintendência magistral do todo.
Nada se encontrará à meia-noite.
Até mesmo a lua em sua passagem oculta
deverá relatar suas observações noturnas
ao regime inflexível do Sol.
A vida não seria possível.
Pois a possibilidade em si
é assunto da escuridão.
*
[Pêndulo]
O pêndulo
sem ameaça ao relógio
aspira a hora certa
e o mantém.
Um corpo suspenso por um fio
entre a inércia e a oscilação.
A simbologia do equilíbrio
a cinemática da previsão.
Se outros futuros hão de prosperar,
pensa-se fora do tempo
quebra-se o movimento pendular.
Nas pequenas amplitudes
haverá uma troca de olhar.
o corpo suspenso por um fio
estará fixo
e a Terra inteira gira sob ele.
♦
Sofia Ferrés é natural do Uruguai e reside no Brasil. Tem formação em Desenho Industrial, Engenharia e Antropologia. É autora d’O Pequeno Livreto de Haicais (OTSP, 2017), En_vuelta (Ed. Laranja Original, 2018), Desmatéria (Ed. Macondo, 2019), Mandala (Ed. Flanêur, 2023), e Doble Desplazada (2024). Foi finalista (2019) e ganhadora (2020) do Prêmio Literário Internacional Glória de Sant’Anna (Portugal).
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