“Os livros são como espelhos: só se vê neles o que, já dentro de nós, estava.”
– Virginia Woolf
Abílio Guimarães, poeta e médico pediatra, convida-nos, em Bibliotecas – Uma Maratona de Pessoas e Livros, a embarcar numa viagem por cinquenta bibliotecas privadas espalhadas pelo Norte e Centro de Portugal, cujas coleções não só revelam a riqueza do mundo literário, mas também das vidas daqueles que as construíram. A obra, que alia o olhar preciso de um colecionador à sensibilidade de um poeta, celebra os livros como extensões da existência humana e as bibliotecas como refúgios vivos de memória e devoção literária.
Nas páginas iniciais, somos acolhidos por um texto introdutório do poeta Jorge de Sousa Braga, que compara as bibliotecas a jardins: «Gosto de pensar numa biblioteca como um jardim. Com as suas árvores centenárias, as suas alamedas, os seus canteiros e as suas estufas. E também com as suas zonas escuras, onde é muito difícil penetrar». Esta metáfora vertebra na perfeição com a obra, pois, tal como um jardim, cada biblioteca descrita na obra floresce de forma única, com suas palavras e volumes conduzindo-nos por trilhas insuspeitas. Abílio Guimarães guia-nos por bibliotecas que transitam entre a intimidade de espaços pessoais e a grandiosidade de lugares históricos, como a biblioteca de Teixeira de Pascoaes, em Amarante, a de António Egas Moniz, em Avanca, ou a do físico e professor Carlos Fiolhais.
Abílio, natural de Cesar e autor de uma vasta obra poética, percorre as estantes como um viajante que explora territórios desconhecidos, cujos livros deixam de ser meros objetos para se tornarem espelhos de histórias, memórias e afetos dos seus proprietários. Cada biblioteca é apresentada em cerca de quatro páginas, enriquecidas por fotografias que captam a materialidade e o espírito destes espaços literários. A escrita, simultaneamente lírica e descritiva, entrelaça títulos e epígrafes escolhidos com cuidado, cujas palavras abrem portais para a essência de cada coleção.
Apesar de muitas destas bibliotecas pertencerem a pessoas anónimas ou pouco conhecidas, a narrativa transcende o particular e alcança o universal. O autor evoca a máxima de Borges de que uma biblioteca é uma forma de infinito, mas fá-lo com uma perspetiva profundamente humana, ancorando as descrições no quotidiano e nas histórias de vida dos proprietários. Cada biblioteca é, afinal, uma autobiografia tácita, cujas prateleiras refletem tanto os seus criadores como os mundos que as habitam.
O ponto culminante da obra é uma reflexão sobre três espaços emblemáticos: a imponente Biblioteca Joanina, em Coimbra; a Biblioteca Gabriel García Márquez, em Barcelona; e a inovadora Livrearia, em Ponte de Lima, cuja ausência de funcionários celebra a autonomia e a liberdade do leitor. No final, o autor conduz-nos à sua própria biblioteca, cuja coleção é dominada pela poesia, mas também inclui volumes de medicina e relatos de montanhismo – um reflexo do homem multifacetado e do mundo que se revela nesta obra.
Com Bibliotecas – Uma Maratona de Pessoas e Livros, Abílio Guimarães entrega-nos mais do que um livro: oferece-nos uma celebração profunda da ligação entre os livros e as pessoas que lhes dão vida. Trata-se de uma obra que merece ser lida com o cuidado e a sensibilidade de quem abre uma edição rara, cujas páginas guardam não apenas histórias de bibliotecas, mas também as ressonâncias das vidas que nelas se perderam e se reencontraram.