No livro ‘A Sociedade do Medo‘ (Hérder Editorial), Heinz Bude, um dos sociólogos mais proeminentes da atualidade, explora os temores aparentemente ilimitados que se infiltraram discretamente na classe média europeia. A obra aborda o medo da rejeição social, do isolamento e da queda após alcançarmos “as metas’, analisando os receios que não têm origem em circunstâncias concretas, mas sim nas interações sociais. Bude destaca que vivemos numa sociedade que, cada vez mais, impõe exigências aos indivíduos.
Da mesma forma, muitos europeus tornaram-se excessivamente ansiosos, atribuindo essa ansiedade a uma mudança nas promessas que a vida oferecia: para aqueles que nasceram nos anos cinquenta, a promessa de uma vida digna funcionou, mas hoje muitos enfrentam a solidão da responsabilidade individual, substituindo a antiga promessa pelo medo.
Assim sendo, Heinz Bude sublinha que o medo, tal como abordado na sua obra, vai para além da apreensão relacionada ao fracasso no ambiente de trabalho. Agora, este sentimento expande-se para a esfera pessoal, incluindo a preocupação em fazer a escolha certa ao selecionar um parceiro, o receio de falhar como pai ou mãe e, inclusive, a ansiedade em encarar a morte de maneira apropriada. O indivíduo moderno encontra-se constantemente sob pressão, sendo essencial possuir inteligência emocional para lidar com essas exigências. A crescente pressão resulta numa ansiedade generalizada, onde nem uma boa educação nem uma renda estável oferecem garantias de segurança social. Isso leva a sociologia a atribuir uma importância crucial à questão do estatuto, reconhecendo a necessidade de compreender e abordar estes desafios na sociedade contemporânea.
A angústia social afeta cada vez mais os jovens, que temem o fracasso mesmo sem terem tido tempo de experimentar a amargura e a decepção
No entanto, Bude argumenta que, embora a ansiedade possa ter sido uma constante ao longo da história, hoje somos mais conscientes dela. A filosofia do medo, que tem sido estudada desde o século XIX, tornou-se uma característica predominante na maioria das pessoas. A subjetividade moderna, onde cada indivíduo se analisa em relação aos outros, cria um sentimento generalizado de vazio, um nada que permeia a sociedade.
De igual modo, o autor alemão destaca também o ressentimento social presente na classe média, uma amargura que persiste apesar das sociedades modernas e supostamente meritocráticas. Este ressentimento, em parte, explica o sucesso de líderes populistas, que oferecem uma explicação emocional para aqueles que se sentem deslocados e de alguma forma desiludidos com a vida em geral.
A angústia social, segundo Bude, afeta cada vez mais os jovens, que temem o fracasso mesmo sem terem tido tempo de experimentar a amargura e a decepção. O medo moderno é moldado pela subjetividade, pela comparação constante com os outros, numa sociedade onde a meritocracia se estende a todos os aspetos da vida, com exigências cada vez maiores e mais difusas. No contexto das novas formas de capitalismo de plataformas e dos paradigmas digitais, Bude destaca que muitas pessoas já não têm uma promessa na qual acreditar. Cada um está sozinho e é responsável por si mesmo, o que contribui para o aumento dos medos e da ansiedade na sociedade contemporânea
Quanto à alternativa do conformismo, Bude argumenta que refugiar-se na espiritualidade ou no conformismo já não é tão eficaz. O medo, segundo ele, precisa ser civilizado, não ignorado. Encontrar formas de comunicar e normalizar o medo, criar uma solidariedade em torno das angústias partilhadas, pode ser uma resposta mais saudável.
Igualmente importante, ao abordar a influência de género neste panorama, o autor realça as transformações nos sistemas familiares e as negociações contínuas que têm suplantado os papéis tradicionais. Tanto as mulheres como os homens estão a procurar deliberar e chegar a compromissos, enfrentando desafios num contexto onde a competência para o consenso é fundamental.
Em suma, “A Sociedade do Medo” não apenas analisa a ansiedade que permeia a nossa sociedade, mas convida-nos a uma reflexão mais profunda sobre a nossa relação com o medo e a complexidade do mundo que habitamos. Nesta jornada pelo pensamento de Heinz Bude, somos instigados a aceitar e compreender os nossos medos, transformando o vazio em solidariedade e procurando novos vocábulos para expressar as angústias do nosso tempo.