Como surgiu a ideia para o romance “André” e quais foram as motivações que te levaram a escrevê-lo?
Por um lado, nasce como o final de uma trilogia, dá continuidade a algumas das histórias de ‘Sete dias com Elisa’ e ‘1928 km’, ao mesmo tempo é uma história independente que cria espaços diferenciados e atrai novas personagens. Ainda que com ele dou por finalizada esta espécie de saga, ‘André’ não chegou para resolver as dúvidas que deixaram no ar os anteriores livros. Acho que contribui com novas tribulações, em vez de certezas. Por outro lado, esta que intitulei de ‘Trilogia de Vedra’, surgiu da necessidade de afastar-me da minha zona de conforto e de indagar sobre assuntos que me interessam, como a masculinidade hegemónica ou o idadismo.
A história decorre em locais tão diferentes como Vedra e Oslo. Como conseguiste integrar esses ambientes de forma coesa na narrativa?
Ainda que afetam, os locais são secundários no desenvolvimento da história. Ao focar a atenção nas pessoas, é mais fácil moverem-se de um lugar para o outro sem por isso causar estranheza. De facto, no livro aparecem também Adina, paróquia de São Genjo de onde é Elisa, a protagonista principal da trilogia, Ålesund, de onde era Simen, o seu companheiro, ou Santiago de Compostela, onde conviveram durante décadas antes de decidirem viver em Vedra. No anterior romance, ‘1928 km’, acontecia algo similar, Vedra partilhava protagonismo com Bruxelas. Não procuro um contraste cidade-rural. Esses espaços tão diversos são também um reflexo da realidade de muitas pessoas.
“Trilogia de Vedra’, surgiu da necessidade de afastar-me da minha zona de conforto e de indagar sobre assuntos que me interessam, como a masculinidade hegemónica ou o idadismo
“André” aborda uma acusação grave ocorrida há cinquenta anos atrás, que agitou a família Fredberg. Qual a mensagem que pretendes transmitir aos leitores ao explorar temas como justiça e memória?
Vejo este livro como uma indagação que não finaliza com um juízo que feche a história e faça mais agradável a leitura. São de poucas certezas. Em parte queria evitar julgar as personagens, também não condicionar a quem lê dirigindo-o para uma solução. Não quero dizer com isso que justifique a quem é acusado. Nem sequer é esse o fundo da questão. Justiça e memória são duas das palavras que acompanham a trilogia toda, mas como um questionamento, como fazia Elisa no primeiro romance, ‘Sete dias com Elisa’, perseguindo o significado da felicidade.
Conta-nos como foi o processo de pesquisa para retratar com precisão tanto a atmosfera da Galiza quanto da Noruega.
A parte galega foi mais simples. Tenho família em Adina e vivi um tempo em Vedra, numa casa bem similar à de Elisa. A Noruega é um sonho porque nunca lá estive. Li muitos romances policiais ambientados em Oslo, assisti a filmes e séries, dediquei umas quantas horas a investigar na Internet e percorri parte do país com o Street View. Sei que o que acabo de referir retira romantismo à minha resposta…
Alguma razão especial em escolheres a Galiza e a Noruega como cenários para a história?
A Galiza por ser o cenário mais imediato, queria partir da casa para chegar a outros locais. Adina por ser a paróquia de origem da minha família materna e Compostela por ser onde moro há quase trinta anos. O caso da Noruega é diferente. Apareceu na escrita de forma inesperada, quase como uma decisão alheia. Elisa em ‘Sete dias com Elisa’ fala da sua vida e do marido, falecido quatro anos antes, e é como se ela tivesse tomado a decisão, saiu sem mais que era norueguês. Na minha consciência, ao escrever, só tinha claro que tinham dificuldades para se compreender a nível linguístico. Depois, tudo encaixou.
“André” é parte da Trilogia de Vedra. Podes falar um pouco sobre como as três novelas se conectam entre si e como elas complementam a história geral?
As origens estão no livro anterior à trilogia, ‘Dixie em Wonderland’, que também publiquei na Através Editora, sob o nome Dixie Fredberg. Ali conta-se uma das aventuras do filho de Elisa na cidade do Porto, cujo nome artístico é Dixie. Nesse romance, quase uma prequela da trilogia, menciona-se a mãe de Dixie como sendo professora de filosofia, e também aparece uma mala gigante. Numa entrevista que me fizeram daquela perguntaram-me de que iria o meu seguinte romance e saiu-me, sem muito pensar, que tinha vontade de falar dela, da mãe do Dixie. E assim foi. Em ‘Sete dias com Elisa’ falo das aventuras dela e da vizinha, Amália. Aparece de novo Dixie em um par de ocasiões, a primeira para lhe devolver a mala gigante, que pertencera ao pai. Essa mala aparece em ‘Dixie em Wonderland’ e nos três romances da Trilogia de Vedra. É em ‘Sete dias com Elisa’ onde conhecemos mais do passado familiar tanto de Elisa quanto de Dixie e da sua outra filha, Sabela. Esse passado está marcado pelo descobrimento de uma acusação contra Simen, marido já falecido de Elisa. Essa acusação provocou o distanciamento de Elisa com a sua outra filha, sendo o segundo romance, ‘1928 km’, uma roadmovie protagonizada por Elisa e Amália, que viajam à procura dessa filha. A acusação atravessa os três romances da trilogia, ainda que só em ‘André’ é o motor principal. Penso que os três livros podem ler-se de forma independente, mas ganham um novo sentido ao ler todas.
As personagens enfrentam desafios pessoais e familiares. Como foi o processo de desenvolver o carácter psicológico dessas personagens e as suas jornadas ao longo da história?
A personalidade de Elisa, a sua forma de estar no mundo, foi-ma mostrando ela à medida que escrevia. Às vezes propunha-me um exercício intenso de empatia, introduzindo-me na sua história vital, sentido que habitava o seu corpo, desfazendo-me de mim mesmo. Afinal fluiu muito melhor quando localizei os pontos em comum entre ela e eu: algumas emoções, razoamentos e intuições. Tanto com ela como com Amália, o principal eram o respeito e o bom trato, de mim para elas. São mulheres com várias décadas mais do que eu, deixar de fora preconceitos não é fácil. Quando partes de uma situação de privilégio como a minha, ou treinas constantemente, ou entram-te por todos os lados, pelos adjetivos, pelo enfoque, pela própria deriva das suas histórias… Também não queria estar em alerta constante, auto-vigilante. Sentiria-me constrangido de mais. Por isso a conexão, esses pontos em comum que mencionei, foram tão importantes. Tratei-nas com o mesmo que me devo a mim mesmo. Isso deu-me liberdade narrativa e facilitou a empatia, apesar de serem tantas as diferenças entre nós. Algo similar acontece com personagens como Dixie/Enar, Sabela ou Lilja. Também reconheço que para outras personagens, secundárias, a conexão foi menor. Assim são breves todos os meus livros, demasiada intensidade junta.
Por vezes propunha-me a um exercício intenso de empatia, introduzindo-me na sua história vital, sentido que habitava o seu corpo, desfazendo-me de mim mesmo
Algum desafio que enfrentaste ao escrever este romance e queiras partilhar? E alguma cena ou momento específico em “André” que seja particularmente significativo para ti?
O maior desafio foi superar o meu medo a resolver o da acusação, sabendo que provavelmente não vai satisfazer a muitas pessoas, e que mesmo pode causar incomodidade. De ter que escolher, fico com a cena de Enar maquilhando-se na casa de Lilja. É breve e simples, mas altamente significativa para mim.
Como esperas que os leitores reajam a “André”?
Não faço ideia. Sei que pode ser um livro incómodo e que é difícil encontrar-lhe um “molde”, etiquetá-lo. Prefiro não pensá-lo. Em qualquer caso, estarei encantado de ouvir as reações.
Agora que a Trilogia de Vedra está concluída, quais são seus teus planos futuros como escritor? Pretendes explorar novos temas ou géneros literários em próximos projetos?
Terminei no ano passado uma distopia, apetecia-me muito e desfrutei muito. Agora mesmo estou com outro romance que ainda não sei bem aonde me vai levar. Para o futuro, gostaria de experimentar com o teatro, ou com uma literatura mais social. Quem sabe. E gosto muito disso, de não saber.
Fotografia do autor por Distrito Xermar.