“Falar com o outro sem nada querer dele — eis o começo da delicadeza.”
– Roland Barthes
Recentemente, fazendo scrolling pelas redes, deparei-me com uma frase de Annie Ernaux “A conversa é inútil no melhor sentido.” Tão simples, tão certeira. Repeti-a em voz baixa, como quem descobre algo há muito esquecido. Uma intuição leve, mas exacta: o reconhecimento de um gesto que não se impõe, não exige, não performa, apenas permanece. Conversar sem pressa. Sem utilidade. Sem objectivo. Pelo simples prazer de estar com o outro.
Foi então que me perguntei: o que é que ainda fazemos hoje que não sirva para nada? Não para vender, mostrar ou justificar. Mas para simplesmente ser, como quem habita um intervalo? Num mundo que exige eficiência, desempenho e capitalização de tudo — até do afeto — a conversa gratuita emerge como relíquia e resistência. Não gera lucro. Não serve um propósito claro. Não monetiza o tempo. É, nas palavras de Ernaux, “anticapitalista”: porque não produz valor material, apenas um vínculo efémero e partilhado. Um tempo suspenso, uma pausa sem função.
Há qualquer coisa de radical — e profundamente poética — em sentar-se com outro ser humano sem nada esperar. Conversar é desacelerar a linguagem, tornar habitável o tempo. É recuperar uma das funções primeiras da fala: não convencer, não vender, não performar, mas partilhar. Walter Benjamin escreveu que cada conversa casual pode conter uma centelha de verdade. Marcel Proust, por sua vez, lembrou que o tempo reencontrado nasce menos do desejo de dominar o mundo do que da escuta atenta das suas variações. Talvez tenhamos desaprendido esse escutar. Talvez o tenhamos trocado pela gestão constante da atenção e da resposta.
Conversar é desacelerar a linguagem,
tornar habitável o tempo.
E, no entanto, escutar alguém sem apressar respostas, divagar sem rumo, interromper-se, perder o fio, rir, partilhar um silêncio entre duas frases. Quem ainda se permite esse luxo? O algoritmo não recompensa, apenas extrai. A pressa não tolera. Mas talvez a imaginação — essa faculdade esquecida de tocar o invisível — ainda encontre aí um refúgio contra a aridez do mundo. Os sufis diziam que há formas de saber que não se aprendem, chegam pelo silêncio, pela escuta demorada, por aquilo que não se conclui. Conhecer, para eles, era também demorar-se.
Neste tempo acelerado, onde tudo deve ser conteúdo, impacto, resultado, a conversa inútil — no seu melhor sentido — oferece uma outra possibilidade: a de não servir. A de permanecer entre. Entre um corpo e outro, entre duas vozes que se procuram, entre pausas que não pedem preenchimento. Talvez seja aí que comece a verdadeira subversão. Ou, talvez, o gesto mais antigo do mundo: olhar alguém, escutá-lo, e simplesmente estar. Um intervalo sem ganância. Uma presença sem finalidade.
E se fosse aí — nesse gesto mínimo e esquecido — que começasse, afinal, a verdadeira revolução?
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Tiago Alves Costa é escritor, ensaísta e professor associado na BAU – Centro Universitário de Artes e Design de Barcelona. É editor da revista Quiasmo e investiga os cruzamentos entre literatura, filosofia e contemporaneidade.