Porque já não temos tempo?
“O tempo é a própria substância de que sou feito. O tempo é um rio que me leva, mas eu sou o rio.”
– Henri Bergson
Na obra Ter Tempo, o filósofo belga Pascal Chabot – amplamente reconhecido pelas suas obras Global burn-out e Exister, résister. Ce qui dépend de nous – explora as dobras mais subtis da nossa relação com o tempo, revelando uma alternativa à tirania do “Hipertempo”. Este conceito, inquietantemente actual, sugere um tempo transformado em algo omnipresente e impiedoso, onde compromissos e prazos entrincheiram a vida em cronogramas implacáveis, e cada instante é medido pela régua da produtividade. Para Chabot, o “Hipertempo” é uma prisão silenciosa, uma rede invisível de urgências que molda o ritmo da nossa existência. À semelhança do “tempo disciplinado” descrito por Michel Foucault, onde o relógio e a ordem produtiva se sobrepõem à experiência vivida, Chabot observa como a nossa vida íntima foi cedida ao império das agendas e ao ciclo interminável de prazos.
Nesta sociedade onde o tempo é visto como um recurso sempre em contagem decrescente, Chabot adverte que o indivíduo está preso num ciclo vertiginoso de pressa, amplificado pela consciência ecológica e pela escassez material do mundo. É nesse contexto que surge o conceito de “Ocasião” como um antídoto filosófico para essa tirania do agora: um convite para viver o instante como uma abertura transformadora. Mais do que uma simples reavaliação de prioridades, Chabot defende uma reinvenção da forma como vivemos o tempo.
Compromissos e prazos entrincheiram
a vida em cronogramas implacáveis,
e cada instante é medido pela
régua da produtividade
Este pensamento leva-nos além do uso consciente das horas. Para Chabot, trata-se de uma “reconquista” do tempo íntimo, um tempo que escapa à rigidez do relógio, à contagem e ao cálculo. Em consonância com Henri Bergson, que advogava por um tempo vivido, sentido, ao invés de um tempo meramente cronometrado, Chabot vê na “Ocasião” uma oportunidade de regressar à autenticidade do ser. A proposta evoca um desejo de recuperar o valor do presente e questionar a legitimidade de um progresso volátil e extenuante, difícil de sustentar no paradigma tecnocrático que predomina hoje.
A obra de Chabot confronta, assim, uma das grandes angústias da nossa época: o apetite insaciável pela produtividade e a urgente necessidade de reencontrar o instante. A cronosofia que ele propõe – uma sabedoria do tempo – desafia-nos a repensar a essência do tempo humano, afirmando que o “agora” é dotado de uma profundidade irrepetível. Este pensamento remete para o pensamento de Heráclito, para quem o tempo era um fluxo incontrolável, em oposição ao tempo linear e mecanizado que hoje nos governa. Resgatar o tempo humano, para Chabot, é restaurar a liberdade de viver para além da maquinaria dos segundos, um apelo a que a humanidade redefina o que significa “ser” num mundo sufocado pela velocidade e pelas exigências tecnológicas.
Em Ter Tempo, Chabot desvela, com profundidade e clareza, o grande paradoxo do tempo contemporâneo: aquilo que mais ansiamos é precisamente o que nos foge. Propõe-nos assim algo revolucionário — viver para além do ciclo feroz da produtividade, resgatar o instante que resiste à ordem das horas, e redescobrir um território onde o ser humano se liberta da sua função de máquina produtiva. Nesse espaço, tornamo-nos reflexo e eco do próprio mistério do tempo, uma presença que pulsa para além dos relógios, reafirmando que existir é, antes de tudo, aprender a habitar o agora.
Pascal Chabot ©DR