O rio Besòs é uma das artérias naturais de Barcelona. Ao longo dos séculos, o seu percurso serviu para delimitar os usos sociais, industriais e culturais. Não podemos compreender a história geopolítica da área metropolitana nas últimas décadas sem nos aprofundarmos na história do Besòs e da sua bacia hidrográfica. Até meados do século XX, as suas águas abasteciam grande parte das culturas agrícolas da cidade. A partir dos anos cinquenta, o rio foi colonizado por usos industriais e transformou-se num dos esgotos de Barcelona. Entre os anos setenta e oitenta, o Besòs liderava o ranking dos rios mais poluídos da Europa. Para reverter esta situação, em 1995, vários municípios da área metropolitana assinaram um acordo para a recuperação ecológica do Besòs e da sua área natural.
«Cuidar e defender a água», afirma Yayo Herrero, «é defender-nos a nós próprios». A água é um bem comum e o seu papel na criação de comunidades humanas é central. Através da poesia e do canto, El riu era verd i blau i groc explora os laços dos habitantes de Sant Adrià com o rio.
Inicialmente, a peça começou com uma série de workshops com os moradores. Estes workshops, abertos a todos, incorporavam diversos exercícios: passeios ao longo do rio (um tipo de psicogeografias muito livres), workshops de poesia na biblioteca, práticas de meditação sob a ponte dos Passadors, escrita automática, criação de esculturas a partir de tecidos… Durante esses workshops, os participantes partilharam muitas histórias e memórias pessoais sobre o Besòs, que lentamente foram moldando o imaginário da peça futura. Alguns dos participantes dos workshops acabaram por se tornar atrizes, e dedicámo-nos a pensar em conjunto cenas para o filme. Na verdade, muitas das ações que ocorrem no filme baseiam-se no substrato mítico de Sant Adrià de Besòs: lendas urbanas sobre o rio, histórias contadas por idosas, anedotas que circulam pelo bairro.
Praticamente todos os workshops tiveram lugar sob a ponte dos Passadors, que se tornou o palco central da peça. Esta ponte recebe o nome de uma figura histórica importante para as pessoas de Sant Adrià: o “passador”. Uma profissão que já não existe, exercida pelos habitantes da aldeia, consistia em construir “passeres”, pontes móveis rudimentares feitas de tábuas de madeira que serviam para atravessar o rio. Quando as cheias (ou “besossades”, como os nativos as chamam) eram demasiado fortes para atravessar as “passeres”, os “passadors” transportavam pessoas e mercadorias a cavalo. Com o tempo e as melhorias nas infraestruturas, a figura do “passador” desapareceu, mas o nome da ponte mantém a sua memória viva.
Durante o processo, além das pessoas que participaram nos workshops, a comunidade Sikh de Sant Adrià (que normalmente ensaia as suas artes marciais tradicionais, chamadas Gatka, a poucos metros da ponte dos Passadors), o coro gospel Clappers, de Badalona, e a Asociación Mujeres Bienvenidas também se juntaram. Assim, a filmagem de El riu era verd i blau i groc tornou-se numa performance inesperada, onde todos contribuíram com corpo, paixão e voz numa oferenda ao rio.
Gostaríamos de agradecer a todas as pessoas que participaram na gestação deste universo, que nos fala de um Besòs mágico e incomum, onde o espanto, a poesia e o canto se manifestam entre o cimento e o incessante murmúrio dos carros.
Rosa Tharrats & Gabriel Ventura
“El riu era verd i blau i groc”, da autoria da artista visual Rosa Tharrats e do poeta Gabriel Ventura, pode ser visto até 24 de novembro na Manifesta 15. Manifesta, a Bienal Nómada Europeia, chega à área metropolitana de Barcelona para a sua 15ª edição, que decorre entre 8 de setembro a 24 de novembro de 2024. Esta bienal destaca-se por promover intervenções artísticas em espaços históricos e em edifícios industriais, muitos deles nunca antes abertos ao público, visando descentralizar a infraestrutura cultural e ampliar o acesso à arte contemporânea em Barcelona e nas cidades circundantes.
O conceito da Manifesta é o de uma plataforma artística que se adapta e responde aos contextos sociais e culturais das cidades que acolhem cada edição. Ao não ter uma sede fixa, a bienal procura envolver diretamente as comunidades locais, promovendo a interação entre arte e sociedade, e incentivando a reflexão sobre temas como identidade, território e sustentabilidade.