6 poemas do livro “Apunts per a un incendi dels ulls” de Gabriel Ventura
4.
Real,
espanto nocturno.
Transportas a fonte do líquido
léxico.
Ruptura / fragmento / montagem
Somos o traço da primeira pedra,
que se estende
até amanhã.
*
6.
Tenho um encontro com o barqueiro das esferas.
O bolso pleno de luas,
são as mortes que não vivi.
Basta-me saber que o esqueleto lembra
mas não fala.
Um tumulto de cavalos numa coluna,
o fémur reforçado com uma branca…
As rótulas de monge afásico
consumidos pela cruz.
Orelhas inversas: verde e castanho.
Eles queimam
as pirâmides lílases ao entardecer
e, na margem do tímpano
as águas embalam a barca
que irremediavelmente terá que me levar
à vesícula do monstro.
*
12.2
A organização da cidade não era um assunto
que lhe preocupava excessivamente
Uma fibra mais,
possível zona de refugiu ou de paz.
Ideia química.
Realismo dado.
Todas as portas são de cinza.
O lugar é
o lugar entre o corpo
e a mente
do outro.
Um tapete de culpas e bolhas.
E se crescerem asas no fungo de um cordeiro?
A saliva (…) substância
De algo
que tem poder.
Dissociação do princípio de propriedade,
vai ela dizer.
Escuridão enzimática.
*
13
A música da lei
caprichosa, secreta
enamorada
no centro da terra.
(Metáfora matriz)
Mas tu dizes olho
e abre-se um universo.
*
33.
Sou o fogo, diz o número.
Tudo isso que vês é meu.
Submeto o estômago dos cinco continentes.
Abro e fecho as correntes oceânicas.
Oriento os peixes, os pássaros obedecem-me.
Calculo as dobras de cada paladar.
Eu nunca durmo. Eu sou o sono da anarquia.
Sei quantos golpes tu sonhaste sob uma cruz.
Naquele sonho eras um peregrino.
Encontravas uma rocha.
A serpente dormia ou fazia que dormia.
Escrevias o meu nome,
mas já não o recordas.
Era um nome plácido e triste, pouco luminoso,
fácil de repetir.
De tanto pronunciá-lo que vai esquecê-lo:
um corte sobre a pedra.
E a ferida vai crescer.
Porque o furo era vivo e vivia
vai ser
sistema, gesto, gíria.
O zero que se vai revelar
e converter-se em inscrição.
*
36.
Uma tradição de peles elípticas e férteis esperas – nublosos lamentos, verticais que nos lançam além de nós mesmos, em direção ao enigma, corpo cónico, esta herança húmida que não sabemos preencher – trouxe -nos até vós, os restantes, florações visíveis do verbo. Procuram lapsos, limites onde nos explorar, mas os recintos da dor não são claros, e a noite é muito antiga, a sua fala inquieta-nos. Os nomes próprios na fricção, no ouvido dourado dos órgãos, os lábios tornam-se nas nossas retinas fendidas. Nem eternas nem temporais, habitam o relâmpago que nos significa, e extraviam-se entre as urtigas da compaixão. Ligados por séculos de feridas, não as reconhecemos. Perceber é plantar um jardim generoso, oferecer as pétalas com as unhas vermelhas de lama.
*
37.
Guardo os olhos da criança na boca do cão.
Fora da caverna aprendo palavras frias
com espiral, triângulo azul.
A guerra contra os mortos pequenos.
Onde aparece umas ferramentas para arar
e não tenho campo.
*
♦
Gabriel Ventura (Granollers, 1988) é escritor e artista. O seu trabalho costuma partir da poesia e expande-se noutras direções, como a performance, a crónica ou o vídeo. Entre as suas últimas publicações destacam-se W (2017), Apontamentos para um incêndio dos olhos (2020) e A noite portuguesa (2021), diário de filmagem de Liberté, filme de Albert Serra rodado no Alentejo. Apontamentos para um incêndio dos olhos deu título a uma exposição coletiva no MACBA dedicada à cena artística local (2021-2022). Anteriormente, o livro foi apresentado durante uma performance de 24 horas na montra da livraria Documenta. É também autor de Paixão e cartografia para um incêndio dos olhos, um texto-ação realizado no MACBA em 2022, e da curta-metragem Os milagres do mestre Cabestany (2023), codirigida com Rosa Tharrats. Alguns dos seus textos e poemas foram traduzidos para inglês, francês e neerlandês, e participou em exposições no MACBA, el Bòlit, MNAC, Bombon Projects, Centro de Arte Contemporânea Fabra i Coats, Bienal de Veneza (pavilhão catalão, 2019) e Manifesta 15. Realizou leituras e ações em festivais como o Barcelona Poesia, Eufònic ou Poesia i +. Também escreveu artigos, contos e crónicas para revistas como A*DESK, Branca, El Temps de les Arts, Catalunya Plural, Reliquiae Journal e Berlin Quarterly. Em 2018, recebeu a Bolsa Montserrat Roig. Recentemente, participou na antologia de contos O meu primeiro livro porno (2024), da editora Males Herbes.
Gabriel Ventura (Granollers, 1988) és escriptor i artista. El seu treball sol partir de la poesia i s’expandeix en altres direccions com la performance, la crònica o el vídeo. Entre les seves últimes publicacions destaquen W (2017), Apunts per a un incendi dels ulls (2020) o La nit portuguesa (2021), diari de rodatge de Liberté, pel·lícula d’Albert Serra rodada a l’Alentejo. Apunts per a un incendi dels ulls ha donat títol a una exposició col·lectiva al MACBA dedicada a l’escena artística local (2021-2022). Prèviament, el llibre es va presentar durant una performance de 24 hores a l’aparador de la llibreria Documenta. També és autor de Passió i cartografia per a un incendi dels ulls, un text-acció realitzat al MACBA el 2022, i del curtmetratge Els miracles del mestre Cabestany (2023), codirigit amb Rosa Tharrats. Alguns dels seus textos i poemes s’han traduït a l’anglès, el francès i el neerlandès, i ha participat en exposicions a MACBA, el Bòlit, MNAC, Bombon Projects, Centre d’Art Contemporani Fabra i Coats, la Biennal de Venècia (pavelló català, 2019) o Manifesta 15. Ha realitzat lectures i accions en festivals com el Barcelona Poesia, Eufònic o Poesia i +. També ha escrit articles, contes i cròniques per a revistes com A*DESK, Branca, El Temps de les Arts, Catalunya Plural, Reliquiae Journal o Berlin Quarterly. El 2018 va rebre la Beca Montserrat Roig. Recentment ha participat en l’antologia de relats El meu primer llibre porno (2024), de l’editorial Males Herbes.
Estes 6 poemas fazem parte do livro Apunts per a un incendi dels ulls (Documenta, 2020).
Tradução do catalão para português por Tiago Alves Costa.
@ Créditos da foto do autor por Cecília Coca.