5 poemas de Rodolfo Hasler
A gralha cega
A gralha cega se refugia no café Brahma.
Na esquina de Ipiranga com São João, se espalha na mente uma paisagem infinita,
um ângulo aéreo que descansa sobre uma placa onde se lê:
tão acima de nós, tão longe da terra, afirmando o tom incômodo da escritura.
A poeta adorava os animais.
E eu, ao sair de um templo shinto, jardinzinho de bambús e peixe rubro no tanque, me escondo no café, retomo um poema de Cecília Meireles que fala de gatos, de sombra dos gatos, ou seriam sombras de gralhas? que me vão apresentando pela cidade. Tudo tão revelador, serpentear uma avenida desproporcional, fotografar o céu desde o Altino Arantes, rir… Cego diante de tantas opções, escondido no café Brahma não vejo saída, a urbe se agita, a sombra queimada permanece, sei não, e enquanto leio, cego como estou, àqueles poetas que me dizem sim, que se valem de uma fina desculpa como fuga a um rincão de céu babilônico e espantoso.
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Página quatro: quinta-feira. O corpo
como si yo no existiese, como si hubiese muerto por adelantado
Blanca Wiethüchter
Há um corpo que assiste a própria devastação. Um odor de carne e vísceras expostas à curiosidade como se nada existisse, não marcharás, diz o sangue que goteja lento, coalhando numa galáxia que ilumina a parede do edificio Copan. A pupila é azul, quem sabe um verde veneziano, e pede algo, correr, um pensamento estóico, correndo, deixando o corpo à vontade, que foge pela parede em sua carne maltratada. Um cadáver exposto de qualquer jeito e um prodigio que se aparesenta e diz: azul.
Onde dorme tem uma gralha, ou é o meu cão, repete seu nome, negro e branco e azul. O corpo que cai e o nada adiantando-se à norte uma labareda.
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Página cinco: sexta-feira. Rua Aurora
para Alfredo Fressia
Cruzando a rua Aurora olha para trás. Como menciona rua Aurora, como se atreve se nada lhe pertence? É o início de uma transformação, o rufião é cobiçado por um punhado de transeúntes, é um incêndio, um fogo que se aproxima, um palpitar, um diadema. Ordena a cabeleira diante do vidro, à margen do abismo, não sabe se o reflexo é real ou uma porta imaginária. Não sabes se voltar, se assim desejas, não em vão foste alguém, abraçado, lambendo as mãos, atravessando a rua. És a decadencia, buscando-a, adoras o que uma fada te confessa, as cordas de uma harpa que festeja o delirio. Deixas a rua Aurora e pensas no poeta, sua obra encerrada na agua, encantado em um verso, enquanto foges, vais, com seu conteúdo.
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Página seis: sábado. Cidade de São Paulo
Seu odor é a matéria molhada e seu olhar punçante. É uma gralha soberba de plumas entrelaçadas, uma transformação em curso que ignora seu porvir, um ramo manchado, um quicio para posarse,
busca o sol entre tantos excessos, a mão pede liberdade, dão-lhe e a toma, um ramo de lilás iguala com a menção da ideia, como sair, ascender e divisar além de mim, para reconhecer-te, e eleva a voz da ignomínia, e dá um conselho, se o segues, vem, volta, tua cidade vai se enfermando.
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Página sete: domingo. O alimento
Alimenta uma gralha. Cria um alfabeto novo em sua língua, deixa que destaque a profecía na noite do sul, sua cabeça negra guarda a parte mais delicada, como tomilho novo.
A gralha é o condimento, e não oculta nada, deixa falar e alcançarás a eloquência, um caracol na mão, um poema de Hilda Hilst descobre que a pressinto, não diz nada mais, quase adivina o porvir, deixa que as vogais tropecem, palabras que rondam o desespero até deitar-se ao teu lado e marcar-te, oferecer-te a fruta solitária em seu bico.
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Rodolfo Häsler nació en 1958 en Santiago de Cuba y desde los diez años reside en Barcelona. Estudió Letras en la universidad de Lausanne, Suiza. Tiene publicados los siguientes libros: Poemas de arena (Editorial E.R., Barcelona, 1982), Tratado de licantropía (Editorial Endymión, Madrid, 1988), Elleife (Editorial El Bardo, Barcelona, 1993 y Editorial Polibea, Madrid, 2018, premio Aula de Poesía de Barcelona), De la belleza del puro pensamiento (Editorial El Bardo, Barcelona, 1997, beca de la Oscar Cintas Foundation de Nueva York), Poemas de la rue de Zurich (Miguel Gómez Ediciones, Málaga, 2000), Paisaje, tiempo azul (Editorial Aldus, Ciudad de México, 2001), Cabeza de ébano (Ediciones Igitur, Barcelona, 2007 y Ediciones El Quirófano, Guayaquil, 2014), Diario de la urraca (Huerga y Fierro Editores, Madrid, Editorial Mangos de Hacha, Ciudad de México, y Kálathos Ediciones, Caracas, 2013). Lengua de lobo (Hiperión, Madrid, 2019, editorial Salta el pez, Buenos Aires, 2021, XII premio internacional de poesía Claudio Rodríguez), Hospital de cigüeñas (Editorial Libros de la Hospitalidad, Valencia 2021). El tranvía verde de Alejandría (ediciones del 4 de agosto, Logroño, 2023), Jabón de Nablus (RIL editors, Barcelona, 2023). Ha publicado la plaquette Mariposa y caballo (El Toro de Barro, Cuenca, 2002) y Cierta luz, Ediciones Mata Mata, Ciudad de Guatemala, 2010), así como Antología poética (Editorial Pequeña Venecia, Caracas, 2005) y Antología de Tenerife, Ediciones Idea, Las Palmas, 2007). Ha traducido la poesía completa de Novalis, los minirelatos de Franz Kafka y una selección de Anthologie secrète de Frankétienne. Es autor de la antología poética El festín de la flama de la poeta boliviana Blanca Wiethüchter.