5 poemas de Ana Maria Oliveira
Conexão ecológica
Germinam nas profundezas associações biológicas
Que aguardam a luz do dia para a florestação multicolor
Perante pigmentações intermitentes em tempos bélicos
Traçando penúrias nos edifícios em abatimento
Com os animais à solta decepados
Em direção ao poço da incompreensão humana
Que aniquila a sua condição criando fossas de cadáveres
Provocando a fuga de inocentes desterrados
As mutações acontecem na visibilidade das tragédias
Nas depressões anunciando suicídios
Nos atos tresloucados sem amanhã
Quando os pais chorosos ficam sem os filhos
Procurando-os pelas cidades em ruínas de forma vã
Predatismo é o prato do dia servido de múltiplas maneiras
A espécie predadora aguarda o festival de gastronomia
Para saciar a fome do chorume poluente das lixeiras em decomposição
E os carcinogénicos minam as veias das crias por nascer
Num tufão de sobrevivência das espécies em asfixia
Explodem sismologias vulcânicas sobre estéticas em putrescência
Germina o grito zoonte em dúbio inquilinismo
Criando veredas ocultas de proteção e sustentáculo
Geram-se vias rápidas de associação e socorro
Desenham-se laços e nós cegos em interesseiro mutualismo
*
O bailado mágico dos elementos
As substâncias puras fazem pacto com as criaturas
Perdidas na azáfama do ambiente de feira onde tudo se vende
Átomos escondem-se noutras dimensões invisíveis pressentidas
Arrastando elementos que dão luta à decomposição
Afirmando a sua individualidade num mundo em transgressão
Os seres compostos na sua luxúria misturam-se
Com diferentes partículas trepidantes e entes alados
Como se o palco da existência desse liberdade de amar e unir
Resultando o renascimento de outras sintonias e bailados
Em metamorfose na mudança das estações sou fragmento tonto
Que rodopia em carga positiva desafiando a sorte
Desbravando as variações sonoras e trajetos
E o compasso de dança adiando a morte
Noutros ensaios cintilantes incitando a criação
Sou eletrão saltitão ansiando atrair diferentes afetos
Participando no bailado mágico dos inquietos elementos
*
O poder do fogo
A forma e o volume fazem divertidas associações desenvoltas
Iludindo o mundo animal alentador de utopias
Os gases soltam fibras de estrangulamentos em agonias
Acumulando pontos negros dentro da visibilidade comum
Traiçoeiros volteiam nos espaços contíguos
Amarrados pelas estéticas dos engodos
Originando panoramas aguerridos de asfixias
Os fluidos deslizam até às profundezas dos poços
Realizando orgias de abraços camaleónicos
Adquirindo as formas do parceiro devoluto
Introduzem-se entre as cantarias arquitetónicas dos pilares
Pedregulhos talhados na estabilidade do eterno
Peso gravitacional embalado no equilíbrio das oscilações lunares
A acidez e alcalinidade deslizam nas papilas gustativas dos humanos
Exploradores de catalisadores aguardando a reação em cadeia
Em oxidações rasteiras minadas pelas poeiras
Aguardam a destilação dos monstros
A evaporação dos homicidas a tempo inteiro
A queda do ditador em alívio dos inocentes
A condensação dos genocídios
A revolta das crianças perante a separação e dor
Enfrentando o poder do fogo na loucura dos presídios
*
Ciclo vital
A energia sustenta campos de harmonia temporária
Nos ecossistemas das bocas abertas suplicando alimento
Perante psicoses manipuladoras de rebanhos
Casadas com transtornos afetivos sem consciência nem alento
Desmaiam nuvens ácidas contaminando a flora
A clorofila capta a luz no processo de fotossíntese
E o frenesi contorcionista instigador sem desígnio
Esconde as pegadas de patologias nevrológicas
Nos bastidores gozam os decompositores fungos e bactérias
Transvertem o orgânico morto por declínio
Em matéria inorgânica como fruto de matrimónio luciferino
E entre pactos e laços dependências e atritos
Solta-se a indiferença azeda das entidades do extermínio
Paira um efeito cumulativo como bomba relógio
Quando os inseticidas e compostos radioativos
Se concentram no homem parasita central
E a bipolaridade desencanta filamentos de delírios e paranoias
Esquecendo o ritual do crepitante ciclo vital
Espraia-se a catatonia nos campos obscuros minados pelo ódio
Num folclore decrépito e mecânico na alternância dos compassos
Esbracejam criaturas em excitação tresloucada
Ficam hirtas na cadência seguinte na passividade do nada
Rígidas imóveis aguardando a catástrofe
Cruel potente cega armadilhada na vontade humana estagnada
*
Nada é definitivo
Matérias esbatem-se nas essências atuando em tripé instável
Adquirindo formas e colorações texturas e podridões
Sustentáculos de predicados que se imutam
Construindo e desterrando geografias traçando multidões
Encarcerado permanece o animismo onde nada é definitivo
Nascente inesgotável de movimentação dos vermes
Copiado do código genético da criação obtusa
Obtendo conceitos presos em estendais de vento
Surgindo a alma informe rompendo dimensões de assolação
Na lentidão da marcha de cada elemento
Neste imagismo vacilando a erudição
Perfuram-se sensações visuais saltando para o tato
Apalpando a rugosidade das montanhas em desabamento
Saboreando o fel em afogamentos de acidez egocêntrica
Incapaz de ultrapassar trincheiras epistemológicas
Secam esqueletos ao sol escaldante do deserto
Corrompem-se tecidos de memórias nas fossas antropofágicas
Pedagogias soltas minam cérebros subjugados por arames
Provocando rios de vómitos lançados por algoritmos mecânicos
E o espírito dialético ausenta-se pela conduta dos absintos
Alimentando indivíduos planeadores de produção em massa
Gerando construtivismo aberrante baseado em argumentos de chalaça
♦
Ana Maria Oliveira nasce no Alentejo, em Portugal em 1960. É licenciada em filosofia. Leciona durante algum tempo, estando atualmente ligada a atividades em infantário. Edita cinco livros de poesia. Grito de liberdade em 2008, Espírito Guerreiro em 2014, Estilhaços no Caminho em 2021, Ao encontro da Terra e Devir Quântico em 2022.