O Rebordo das Faces | Elieni Caputo
“A quietude da sombra segue o passo do rebento” diz no poema “Vãos” do seu livro “Violência e Brevidade”.
Dos seus poemas surgem espaços de serenidade longínqua, arranca de si vozes que se relacionam com uma das vozes de Édith Piaf na figura emocional. Atlante sofrimento, que não molda a face, não transparece, mas que intimamente é a fala de ambas.
As três imagens fotográficas seguintes relacionam-se com a voz, que canta, parecendo querer sair de uma monocórdica melodia, no entanto, há um monólogo de tragédias que se serenam ao ouvirmos a passividade nos poemas lidos por Elieni.
Os poemas, as expressões, unem-se, um breve encontro de leitura que logo se substancializa de uma forma sólida de união a ela própria. A reorganização imediata para a sobrevivência.
Nódoas negras aplicadas por quem se pensava ser o veículo do amor e, no entanto, era a errática dinâmica dispensável.
Agora, a escrita, o lugar definido no seu espaço impenetrável.
Inez Andrade Paes
DESTINO
não escrevo carta
nem diário
é mudo,
sem moldura
meu passo
leve e bailarino
todo meu dia é de morte
como sombra volátil,
meu passado.
*
minha dor se esconde
invejo o enfermo
que escancara a fonte
minha dor é transeunte
sem pegada
sem vislumbre
minha dor não cria encantamento
lança uma ou outra estátua
do altar ao vento
*
o gavião é a ave
que agarra a árvore
no crepúsculo, doura – broto da planta loura
louça
quebra
a vista e avoa
*
hoje o dia caiu sem esperança
a estrela dormiu
bebeu minha lágrima
chorosa
e diamante:
ei-la orvalhando a mão
que a língua lambe
*
CIDADE
Na face da prostituta corre um choro pálido.
A criança abandonada, em prantos, ensaia a volta ao ventre perdido –
Cede ao encanto da morte.
Templos centenários elevam-se ante a fronte em prece.
A alma se apaga nas luzes da cidade.
O som da sirene fere as canções de ninar.
– Viajantes sem vestes, escalamos rumo ao vazio.
**
Elieni Caputo nasceu em 1981 e reside em São Paulo, capital. Graduada em Psicologia pela UFSCar e em Letras pela PUC-SP, é mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC, doutoranda em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo e membro do GENAM – Grupo de Estudos e Pesquisa em Literatura, Narrativa e Medicina. Publicou cinco livros: As coisas de verdade habitam as pedras (Editacuja, 2023). Laço de fita (Quixote +Do, 2022), Violência e brevidade (Penalux, 2020), Casa de barro (Patuá, 2018) e Poema em pó (7Letras, 2006). Seus poemas foram publicados em diversas revistas e coletâneas de concursos literários brasileiros e portugueses.
Inez Andrade Paes nasceu em Pemba, Moçambique em 1961. A natureza, a escrita, a arte são o fundamento do seu universo – pintura, ilustração, poesia, prosa, fotografia. Mantém o blog Contos de Fadas Não de Reis. É coordenadora do Prémio Literário Glória de Sant’Anna desde a sua formação em 2012.