“As minhas plantas dançam com a alegria do tambor” I Poesia de Kátia Bandeira de Mello
Posted On 1 de Setembro, 2024
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A INTIMIDADE DOS PEQUENOS JARDINS
Paraísos sublimes.
Floreios essenciais.
As minhas plantas dançam com a alegria do tambor.
Quase tudo desaparece aos olhos de Xangô.
É flagrante que flutue
O peixe-paz
Orixá circunstancial
Eu, planta
Cresço como uma elegia amorosa
Ostento folhas e remorsos
Milícias longínquas
Lua sangrenta
A dor preserva o mato
Plantas equinas
Seis pernas sobressalto
Afora o vaso
Regar o espaço íntimo
Vegeta
Em vias de perecer
*
Falemos das necessidades das ervas danosas
Uma lista amistosa, um canto qualquer
Um culto às folias daninhas
Erguem-se de raízes estriadas
Sob as ordens de Gaia
Metamorfose ecológica
As águas subirão
Arrancando espíritos
À letargia
*
São cinco as atividades no jardim
Semear
Plantar
Fixar
Alocar
Manter
Ou seja, de/composição.
*
Jardineiro de guerrilha
Por provocações ancestrais
Salta meticuloso
Sob o astro guia,
A paciência dos anjos
Dos ramos brotam, lágrimas
Violáceas violam mistérios
Regados a su-or-valho
*
O poema vive e borbulha
Clorofila e Hemoglobina
Magnésio e Ferratina
Moléculas destoantes
Embora equidistantes
As horas amaciam
As mãos de se não
Do jardineiro inconteste
O processo de extração
Sob observação atenta
Do Rouxinol Uirapuru
Hoje eleito rei
Desinibido em seu jardim
Gigante do instante
Rios emanam
Das plantas e dos corpos
Correm entre nós
*
Arrancar a raiz do caos e plantar ordenadamente.
*
Consciente de que as plantas nada temem ao se espraiarem sobre nós.
*
Folhas ou asas invisíveis
As minhas plantas
Sobrevoam o país fictício
Deixado por memória
Tão perto de perder-se
Um não querer
Mais que bem querer
Um tempo que se vai
E não torna mais
Torna-se raiz
De todas as migrações
Esperança-de-nova-alegria
Mal fundada
Nos dias ainda não gastos
De uma sempre triste história
Onde faltará lua e raminhos,
O rosto de uma bela manhã.
Para Camões
*
Vaso de planta carregado por algumas sílabas.
*
Versão 1
Jamais visitei os canteiros de Isfahan
Ou conheci o seu polinizador
Senhor Polinizador I, II, III
Cultivadores das abelhas da Pérsia
Os seus emissários,
caçadores de erva-daninhas
Plantas fora de lugar
Como gente que não pertence
A país nenhum e chega sem chamado
Levada pela força da Terra
Versus os que desejam o fim dos indesejáveis,
Praga ou estado de guerra
Simurgh em sua ousadia
Abriu as portas de Isfahan
Pediu aos gênios
Flores e caules transcendentais
Para que rápido alcançasse o céu
Viriditas – bondade e saúde
Migração do Sul ao etéreo
Pelos passos contados no chão
Pé sobre pé sobre pé
*
Versão 2
Jamais visitei esses canteiros
Ou conheci o seu polinizador
Senhor Polinizador I, II, III
Cultivadores de abelhas
Os seus emissários,
caçadores de erva-daninhas
Plantas fora de lugar
Como gente que não pertence
A país nenhum e chega sem chamado
Levada pela força da Terra
Versus os que desejam o fim dos indesejáveis,
Praga ou estado de guerra
Em sua ousadia, um dos senhores
Abriu as portas do jardim
Pediu aos gênios
Flores e caules transcendentais
Para que rápido alcançasse o céu
Viriditas – bondade e saúde
Migração do Sul ao etéreo
Pelos passos contados no chão
Pé sobre pé sobre pé
*
Há isto tudo: plantas tão frágeis quanto parábolas,
De elevada gravidade
Arriscando-se subtraídas de evidências solares
Eu me queimo sob a luz, dizem elas
Vozes vegetais, uma ode cega, quase artificial
Ao primitivismo dos musgos
Desprovidos de flores, frutos e sementes, raízes,
Vasos vasculares, xilemas ou floemas para a
Condução da água no seu interior
Nobres e simples almas exemplares
Os musgos rasgam-se em milagres
Nos nichos das gretas da cidade
Se já não possuir raízes, a nada mais deverei me apegar.
Se rastejar para existir, cobrirei as suas mãos jardineiras de verde.
Se me pisotearem, serei capaz de renascer.
Se me sentir pouco digno, brotarei rudimentar nas entranhas da vergonha.
Vingarei.
*
Blues do jardim
No interior do quarto
Sob o teto quadrado
Ervas alinhadas
Música, dança nova,
Ritmo do artista
Ajoelhado
Em oração mágica
Para estancar a clorofila
Ouro verde que derrama
Kátia Bandeira de Mello é poeta, artista visual e escritora. Mora entre Coral Gables, Flórida e Lisboa.
As quatro pinturas que acompanham os poemas são da autoria de Marcelo Daldoce, artista brasileiro atualmente radicado na Filadélfia, Pensilvânia. Daldoce obteve o seu MFA na New York Academy of Art em 2016 e já participou em residências artísticas no Leipzig International Art Program, na Alemanha, e no Eric Fischl Institute, em Maryland. O seu trabalho tem sido exibido em diversas galerias ao redor do mundo, e a sua próxima exposição ocorrerá na Lumière Art Gallery, em Chipre.
Créditos da foto da autora: Ozias Filho.
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