5 poemas do livro “Para comer com o coração de Dom Pedro” I Manuella Bezerra de Melo
mouraria
num incêndio
morreram queimados
migrantes
morreram queimados
migrantes
morreram queimados
vinte e
dois
viviam
amontoados
em um
rés do chão
a assembleia municipal
aprovou por unanimidade
votos de pesar
*
noticiário
meu senhor, suas ideias
entrelaçadas formam
teias
[de aranha
não tem vergonha?
*
grandes merdas
são doze cauções adiantadas
por esta casa com bolor que
(gabava-se o tio nuno
nas mesas das tascas)
pertenceu a Condessa
de Mummadona
*
fuga
uma bandeira tremulou uma mulher
que andou o oásis inteiro no seu rastro
uma mulher atravessou um deserto
a cuspir na boca do seu filho com sede
lá encontrou outras mulheres cuja
sede é o motivo das travessias
uma criança com sede carregou uma
mulher no seu lombo até que
pudesse ela chegar ao outro lado
do deserto em segurança desta vez
uma mulher arrasta nas pernas
uma bandeira, uma criança, um deserto
*
pronta
em um rio repleto de perigos
risco é não ser guelra
peixes respiram embaixo d’água
peixes podem voar
*
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Manuella Bezerra de Melo é autora de Pés pequenos pra tanto corpo (Urutau, 2019; 2023), Pra que roam os cães nessa hecatombe (Macabéa, 2020) e Um fado atlântico (Urutau, 2022). Publicou ainda o ensaio acadêmico Nova poesia brasileira: território, disputa e resistência (Zouk, 2023) e participou das antologias Um Brasil ainda em chamas (Contracapa, 2022) e A boca no ouvido de alguém (Através, 2023). É curadora e organizadora da co-leção de antologias volta para tua terra (Urutau; 2021, 2022), editora na Daruê Editorial e diretora artística no Minha Poetry Slam, além de investigadora no Programa Doutoral de Modernidades Comparadas: Literaturas, Artes e Culturas na Universidade do Minho, em Portugal. Para comer com o coração de Dom Pedro é seu sétimo livro.