Numa rua completamente às escuras movem-se estes versos
Há livros que não procuram iluminar o Natal, preferem devolver-lhe o lugar onde o silêncio respira e a esperança aprende a sobreviver. Numa rua completamente às escuras movem-se estes versos (Poética Edições, 2025) nasce, segundo as suas coordenadoras, dessa intenção: a de regressar ao sentido íntimo da estação, longe das luzes que tantas vezes encobrem mais do que revelam.
Organizada pelas poetas Lília Tavares e Virgínia do Carmo, a antologia reúne 132 autores, compondo um raro gesto colectivo onde se cruzam vozes, ritmos e sensibilidades que interrogam, cada uma à sua maneira, a fragilidade do tempo presente. Como escreve Virgínia na nota de edição, trata-se de limpar o Natal “das luzes festivas potencialmente branqueadoras da verdade”, permitindo que a palavra recupere profundidade, hesitação e claridade.
O título — retirado de um verso de Lídia Borges — funciona como bússola: movemo-nos às escuras, tacteando o que ainda resta de humanidade e de esperança. E os poemas que compõem esta obra parecem nascer desse mesmo movimento, uma procura não pela revelação imediata, mas por uma lucidez que se acende devagar, no intervalo entre o receio e o desejo.
A capa, criada pela poeta e artista Rosário Ferreira Alves, prolonga essa tensão entre sombra e cor, sugerindo que toda luz precisa da sua própria noite para existir. Uma imagem que pulsa no mesmo compasso que atravessa a antologia, estabilizando — como refere Virgínia do Carmo — os batimentos inquietos de quem lê.
Ao longo de 202 páginas, desenha-se um território plural, onde múltiplas gerações poéticas se encontram. O Natal surge aqui não como festa ruidosa, mas como dobra do tempo: lugar de espera, de retorno, de inquietação, de um renascer sem ingenuidade. O resultado é uma constelação de versos que avança, devagar, pela rua escura, confiando que, mesmo no breu, ainda seja possível acender um lume discreto no interior do mundo.
















