A lava do pensar no universo em expansão: descercanias onírico-poiéticas entre Bion e Serguilha

Nota preliminar:
Este breve sequenciamento de aforismos não vislumbra ser qualquer tipo de exegese conceitual detalhada, ou trabalho de forma ou teor acadêmico. Antes, trata-se de um caminho inspiracional, a partir de recortes de duas leituras que realizei em distintos (ou entecruzados) momentos de 2024: do psicanalista britânico Wilfred Bion e do escritor português Luís Serguilha. Alguns pontos da reflexão de Bion me fizeram pensar sobre os veredamentos da literatura de Serguilha, que, de certa forma, me fez pensar também sobre a expansividade em ato que pode advir do tipo de reflexão bioniana, entre a clínica, a ambiência onírico-poiética e o rigor conceitual, tanto no tocante à tradição evocada quanto à plausibilidade de feitura de novas noções, para falar-se do fenômeno humano, entre a clínica (pensamento clínico) e a teorização psicanalítica. O modo de Bion falar em suas comunicações e seminários, sua abertura reflexiva, de subversão dos modos usuais do pensar, de convocação a novas formas de consideração, pontos de vista e intensidade ideativa; fizeram-me por vezes lembrar do modo fluxo-gram-ático-poético da escritura em Serguilha. Pude tecer este diálogo com ambos, ou através de ambos, tentando me entregar o mais naturalmente possível a uma fluidez própria, sem preocupações excessivas com formalizações ou sequenciamentos ideativos (que na verdade tendem a engessar o pensamento e impedir maiores inspirações no seio profícuo entre forma da escrita e instigação conceitual). Reside aqui, portanto, certa forma poética minha de refletir sobre ambos autores, atravessando-os e comparando-os sem jamais igualá-los, em qualquer instância. Aliás, igualá-los de qualquer forma passa longe de meus objetivos aqui. Espero suscitar surpresas e novidades no leitor, para também inspirá-lo para maiores leituras, buscas intelectuais e ensejos formais, seja para discutir psicanálise e literatura, seja para produzir seu próprio pensamento clínico ou em crítica literária. Fica, assim, o convite decorrente para caminharmos juntos, nesses bosques de buscas de novas e intensas estradas, para que a alma possa vibrar, e o pensamento entre os aspectos acerca do inconsciente e da letra permita-se expandir-se sem refrear, por qualquer motivo seja, a própria força e alcance. Situemo-nos, então, em algo profícuo-prolífero, entre Bion e Serguilha.
0. Este é um livro cujo estilo denomino crítica literária impressionista experimental.
1. Entre: Bion e Serguilha (2025): pode haver um pensamento-árvore-chama. Ígneo-forçoso – gesto do: pensar – que é uma atividade muito nova da matéria, por isso pode ser-nos tantas vezes estranha; e até dolorosa. O pensamento vai além da linguagem; sua lahar (SERGUILHA, 2014) perpassa caminhos inefáveis; sensações, símbolos e imagens – que remetem – ao In-traduzível, ao 0 bioniano da experiência (SILVA, 1999). O pensar é uma forma de expressão? O pensar artístico [talvez seja] a oferenda do ser: a um pensamento em busca de um pensador; para alojar-se, formar-se, simbolizar-se, e jorrar, qual seiva (do sangue do vivente) a unir: pulsionalidades, figurações e conceitos… O conceito (aí) como criação, ato criativo [da estético-philosofia] do espírito artístico; em luminares – e luminações, qual proposto_por Deleuze (MACHADO, 2009)… Os jogos linguajeiros ● e os estertores do corpo ● se unem… pensar à margem [e a margem] do humano – em busca: de saídas… Onírico poiético é o perspectivar de Bion, em lava de conjecturas, linguagem e ritmicidades do corpo-ser que tenta se delinear e se expressar profusamente… Serguilha: ec-siste; lahar-densa-profícua-desejante. Universo em expansão.
2. As sombras se reconjecturam; para lançarem um facho de intensa escuridão sobre os fenômenos, assim: eles talvez possam mais bem iluminarem-se. Bion propõe que, na clínica psicanalítica, escutemos sem memória e sem desejo (WALZ, 2019), buscando que a cada nova sessão venhamos a divisar, mesmo que em mínimos fragmentos, aquilo que ainda não conhecemos… Serguilha joga seu facho de lahar {sombrio-incisivo-fogo-fátuo-na-obscuridade-da-adensada-floresta-existência} sobre a literatura; fazendo-a desconhecida, mas reconhecível, qual locus-novus no qual pode-se repensá-la, reassimilá-la; em ímpeto-conceito rearranjador de nossas antevisões estéticas. Espécie de neogótico-barroco-do-pensar que penumbra as veredas: para tornar o texto série de pontos potenciais-re-clareadores de á-vidas formas de experiência, de estética… de (re)sus|citar-se.
3. Heisenberg delineou o princípio da incerteza. Bion (2020) diz-nos que ele descobriu algo como a própria incerteza, passível de sobre nós pairar, em suas frias flâmulas de vazio… A textualidade de Serguilha é fogo-fáctico em lâminas elétrico-líricas sob fluxo afeto-ideativo a refazerem o princípio da incerteza a cada barroco-passo; pintando-o qual tela palavrada sob as lavras perene-instigadoras dos devolutos semblantes-a-vir do inefável…
4. As raias tortuoso-im-pulsionais da linguagem laharsista atingem-nos como se as margens circulares do Ser parmenídico emitissem ininterruptamente (sobre o cosmos) raios bruxuleantes labiríntico-s-criptura-inspiradores.
5. O 0 da experiência, em Bion, constitui-se, negativamente, pelo intangível… Tentar se expressar, se cogitamos, e inspiramo-nos, por essas vias, leva aos estertores da Verdade; coisa-em-si: em estática profusão de: ato-negativante-ser – mas, mesmo assim, manter-se ecoante; nos cantos estranho-familiares do cosmos; nesses resíduos refinadores da vida – para, inquietantemente, – operar…
6. O fluxo literário deve resvalar [nas margens terrorífico-tangenciadoras] • do 0 (na escritura):
7. A sonoridade-imagem-texto-figuração do fluxo de Serguilha cumpre a mencionada tarefa, acrescentando-se aí seu teor de máquina elétrica de redigir à volta do 0 – com a linfa das rebeldias necessárias e intenso-extenuantes dos ritmos mais cabais e redi-vivos – das fibras do corpo…
8. O 0 é a indústria negativa da legitimidade angustiosa que é o esteio das mais genuínas profundidades da escritura… A lahar, o combustível do estranhamento, de tornar-se: a cada vez mais – dele: circun-jacente…
9. Lahar e texto: o terreno-bojo em que o pensamento pode conhecer seus limites – artístico-fluido-antitético-conceituais.
10. Entre Pirandello (DISITZER & STROZENBERG, 2011), Bion e Serguilha: pensamentos, personagens; e estertores do ser; em busca, à procura, de seus âmbitos de existência aguda, drasticamente sofisticada…
11. Personagens à procura de um autor | pensamentos à procura de um pensador | lahar a encontrar suas correntes de vida nos lusco-fuscos do existir (às margens das artificialidades impostas às almas).
12. A obra de Bion (CHUSTER, 2022) perfaz um caminho muito mais artístico que acadêmico. Há um gosto seu pela elaboração mundano-culti-vada, e os belo-instigantes usos – dos meios de expressão; entre o genuíno, o eficaz e o estético-metafísico-elíptico: provocativo…
13. Na lahar, há um grito neo-barroco-mutilante que abala os umbrais lírico-linguajeiros.
14. A textualidade-lahar constitui cesura-ígnea.
15. A cesura (BION, 2017) é como um espelho transparente; não se trata de mera divisão ou encontro entre partes. Nela, as partes refluem, é como sinapse que incendeia seus impulsos para largas e distintas direções, sendo confluência e empuxo de fatores: cuja totalidade nunca apreenderemos…
16. …As fagulhas-choques de um Sol rubro-semi-noturno inoculam os rastros derridianos – a tangirem pensamentos selvagens bionianos – da escrita…
17. Escrever é delinear algo das sombras esteticamente imiscuídas entre devaneios | e pesadelos |
18. A lahar é o caos renovante face ao estabelecido. A novidade de si que aporta caosmoticamente, nas labirínticas do ser… Para Bion, a psicanálise se torna porto aberto ao desconhecido, ao que seja – de fato – novo; que advenha do ser ali, em questão; Bion (1991) diz que, em uma sessão, interessa-lhe aquilo que ainda não conhece.
19. A lahar transforma o ser em nova lumidade entre o próprio céu e a própria terra, face ao horror mundo-circundante. Penso em Bion (2021) e seu livro das transformações… Naquilo que se transforma em relação profunda e densa com o inconsciente, e suas tramas intrincantes… Será que Bion poderia ver o processo analítico qual certa forma de lahar?
20. A imaginação especulativa é o que perpassa a verdadeira ciência, em seu sentido O-rigi-nau; seja acerca da clínica {seja no que consideramos sobre o fazer literário}
21. A literatura pode ser uma forma de abarcar, transformar; e sentir: o ambiente – talvez elaborável – (dos pensamentos selvagens…).
22. A linfa literária inocula o ser em fluxo, ou que se permite: o fluxo; esta, es-quisita-familiarmente, o a-travessa: os poetas estiveram antes; onde a teorização sobre o inconsciente – apenas semi-vislumbra – chegar…
23. Em Serguilha, a lava-de-si eletrifica o caminho-novo-ser que se esguelha entre o concreto da metrópole e o sonho telúciferino da vida, em busca de novas metafísicas duo-monolíticas abarcadoras do corpo em reverberações dessintônicas de suas angústias (mais prementes…)
24. O Sol poiético atravessa o 0 da escritura em busca de si mesma, ao preço da própria carne.
25. Escrever passa a ser revivescência do inconsciente em ato, impulsação atualizante dos sedimentos estranho-constitutivos 》do Eu.
26. Fica-nos a possibilidade-atinente de “DANÇAR com as partículas de apostemas fora da predestinação amarelecida e esponjar energias caóticas entranhadas animalmente no inconsciente e nas necropsias das nidificações:…” (SERGUILHA, 2025). Algo que refaz a pulsão de vida em seu cerne, desnecrozando a vitalidade da dança-salto que nos assoma, se permiti-mo-nos as novidades vitais da expansão do ente-consciência face à própria corporeidade no que esta possui de potência para desamarelar-se das predestinações paralisantes, dos circuitos sensoriais do sem-saída.
27. Destarte, alça-mo-nos para fora de uma ética dramática, para o âmbito-poiético-caosmótico-denso-vivente – da dançarina em acroboletas: na ética trágica (MACHADO, 2006).
28. Laio, em Édipo Rei, de Sófocles, afila-se com a ética dramática, ao acreditar, e adentrar no circuito, da previsão do oráculo; de que seu próprio filho 》o mataria 》e se casaria com sua esposa | É tomado pelo circuito sensorial do sem-saída | Aparta-se; então; da ética trágica, na qual rende-mo-nos ao não-saber; ao salto no desconhecido, à dança-trágica-em-si da vida, em sua acroboleta – de possibilidades infinito-construtivas: sempre em aberto… Bion dialoga aqui: ao desfazer-se do chão de si: propõe o salto dançarino na responsabilidade fática ante as vivescências (WALZ 2019). Arcoboleta: da experenciação e do pensamento em-potencialidade – para a expansão…
29. “O SALTO é um exercício flutuante da loucura dentro dos sensores lumínicos do caos que relançam o corpo mosaicista para a des-montagem do anónimo e para os esboços de uma desaparição informe que faz ressurgir o estilo do impensável no tempo kairótico (alterar infinitamente o rasto-géstico através de passagens estilizadas por súmulas heteronímicas). O SALTO é uma artesania forqueada e inscrita no porvir fabulador do próprio corpo. O SALTO é um diafragma-puzzle nas malhas da aleturgia-ethopoiesis. O GRITO infinitiza-se nas soleiras dos ofícios da duração estrangeira do SALTO: exsudação e sangue misturam-se e revelam uma tarântula azul-cobalto com iridescências metálicas a arremessar o excesso mais apurado das microscópicas labaredas contra vertigens das apófises que dançam ininterruptamente seus venenos fossoriais já-voltados para uma escoadura cardíaca onde a ciência se torna uma rosa-ulcerada a bater no sopro-aracnídeo.” (SERGUILHA, 2025)
Entre o SALTO e o GRITO – o GESTO a ratificar movimento infi-nitesimal a – ascender; não-localidade-toda dos fatores da vida: seio sedento por ec-sistir resvalando no 0 que assombra e enriquece – o ser-aí (Dasein [HEIDEGGER, 2015] [em movimentação arcobolêtica] dos sopros 》corpo-psíquicos).
30. “Freud supõe (Dois princípios do funcionamento mental) que se fosse possível não haver pensamento, o indivíduo passaria do impulso diretamente para a ação, sem que existisse o pensamento intermediário. Ao se confrontar com o desconhecido, o ser humano o destruiria. Posto numa formulação verbal de imagem visual, é como se fosse ‘aqui está algo que não compreendo – vou matar’ (ética dramática). Mas uns poucos poderiam dizer ‘eis aqui algo que não compreendo – devo descobrir’ (ética trágica)” (BION, 1974, p. 60) – entre GESTO, SALTO, GRITO – CESURA: um espelho duplo transparente a perpassar nossas transições, nas quais seus dois lados, de passado e futuro, formulam continuum que borra as passagens; não conseguimos bem discerni-las: descobrir algo sobre elas, por mínimo que seja, reconhecendo largamente tal minimidade, é fazer viver-se, para deixar viver o outro também em suas cesuras de desconhecimento basal… Almejar compreendê-lo(a) já é matá-lo(a).
31. A capacidade negativa (CHUSTER, 2022) resv-olha para a miríade de fogos-fátuos talvez adventes, se permitimo-nos, porquanto, alçar novos saltos.
32. O poeta romântico inglês John Keats falou, em certa missiva, sobre a capacidade negativa: a capacidade de tolerar o não-saber, o não sobrepor-se ou adiantar-se quanto a qualquer tipo de informação ou conhecimento, a tolerância ao vazio e à ausência de “luz”; talvez possamos, entre Bion e Serguilha, defini-la como um SALTO para cada vez mais adentro de uma névoa-existência, na qual há significativa e gradual evanescência da luz.
33. A DANÇA perfaz o anti-conceito que des-estrutura o saber para nos tornar ávidos reféns do gesto espontâneo, que é a vida entre a ética trágica e o barroquismo aguerrido dos traços telúrico-oníricos-linguajeiros tan-genciados por Serguilha, em seu húmus-fazer-poiético-corporo-plural.
34. O gesto espontâneo lança um assombroso-lúmino-quase-escurecente de um aceno lúcido – sobre algo como a terra desolada eliotiana.
35. A travessia-do-ser significativa-paulatinamente acrescenta substrato ao GESTO.
36. O dançar-a-si pode, qual tapeçaria ígnea, enriquecer o bordado da música que advém do mundo.
37. Rastros ideo-labiríntico-moventes de um núcleo textual em Serguilha (Salto 9): entre o Romantismo de Keats, o Barroco-Flamático-Joyceano (num exprimir-se para além de Joyce) e o Pensamento em Expansão: traço mito-poético-analítico do profundo escrutinar clínico-teórico de Bion (ainda face ao Barroco-Romântico-Tardio de William Blake, outra inspiração ofertada a Bion no âmbito da “negatividade”):
37.1. O SALTO é a capacidade negativa em seu “tempo kairótico”, conforme recorremos poeticamente a ele, no sentido de Keats, assimilado por Bion, não “sabemos” escrever, ou ler, resta o mergulho no texto que ad-venha, fora de nosso controle racional, mas formalmente árduo e provocante, provando que os cantos e os cantares nos tomam através do tempo, num kairós-ápice-caos lacerativo da alma, ante a ascensão estética da lahar: fluxo, densidade e coesão – corpo-afeto-oceânico-conceitual. Temporalidade, aferimento denso-afetivo-cosmo-anímico: momento de coesão estético-conceitual para além do eu: mergulho do qual se deve voltar com os olhos a-ver-melhados pela leitura, na qual divisa-se os vultos do esforço dialético-pulsional-em-ritmicidade-árdua-flamejante da escrita.
37.2 Os “sensores lumínicos do caos que relançam o corpo mosaicista para a des-montagem do anónimo” (SERGUILHA, 2025), mediante o SALTO, parece remontar-nos a um traço joyceano no qual o fluxo de consciência fala por si como estilo-fonte, mas, vê-se aí um além: certa ousadia barroco-metafórica dos sentidos que nos atira a um mundo surrealista de teor cyberpunk e ao mesmo tempo extremamente somato-sensório. É como se o fluxo fosse tomado entre Breton, Proust e Philip K. Dick. Corpo-memória-impulsação lacerante: sob as neon-eletrificações de um mundo-mecânico-d’entre-carne-luz-labirinto-e-diluição-para-reconstrução-{caos} 》(dem-ó-tica)-sob-os-motes-dos-des-ritmos-e-labaredas-luzeiro: solitária lâmpada {imergida} em penumbras-cortantes-suscitantes-névoo-vítreas-sob-carnações: redi/vivas.
37.3. Em “tarântula azul-cobalto com iridescências metálicas” (SERGUILHA, 2025) pressente-se o teor de certo Rococó-Raionismo?
37.4. Ecos de Blake aportam aqui: o Matrimônio (para além do pensamento-mônada) entre o Céu e o Inferno: “artesania forqueada e inscrita no porvir fabulador do próprio corpo”. – “onde a ciência se torna uma rosa-ulcerada a bater no sopro-aracnídeo” (SERGUILHA, 2025): uma superação do Iluminismo em prol das essências metafísico(porém)corpóreas do ser desejante: aracno-infernal, a fortiori de qualquer solo “científico”.
37.5 Universo em expansão: literatura-gesto-vit(r)al que atesta, bionamente, estados expansivos da consciência…
38. Maneirismos faísco-vibrantes em formas-tempo-mutilações sinuosas e (ultra)orgânicas.
39. Trata-se de textualidade que vai se mutilando ao longo de seu intenso desarrolar-se para permitir-se revivescer.
40. Dança arcobolêtica pós-agônica da tarântula sanguínea do ser-aí a tornar-se arte.
41. O pensar eleva-se ao ponto de tornar-se denso-devaneio, talvez possa-se chamar de onirismo; uma descercania que faz condensações, deslocamentos, mutilações e in-desconvenções formularem certo aparato de sonho autotômico literário; que leva-nos a conhecer as dilacerações digito-surrealistas no seio barroco do texto, em diálogo com a intensidade da imagética contemporânea, fazendo uso de, ao mesmo tempo em que questionando, sua tecnicidade. Fala-se da construção de um novo sonho, que atravessa o pensar, fazendo-o voltar-se sobre si, desconhecer-se e imiscuir-se em exsudação dos parâmetros de teias plástico-conceituais. O novo sonho gera o novo pensar. Podemos agora talvez falar do pensamento à procura de um sonhador vívido.
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42. Em espécie de expressionismo exuvial atinente ao próprio exoesqueleto texto-afecto-fisio-ec-sistencial, Serguilha emite seu revestimento linguístico-lacerante-torrencial, renovando-se e renovando-nos, fazendo-nos arqui-pensar sobre um novo tempo talvez plausível do contato humano consigo mesmo, para fora dos imperativos de mercado, de auto-sedação incessante, de burnout. Em ímpeto símbolo-autotômico-vocabular, automutila-se, em textualidade-lâmina, para melhor sobreviver ao vazio opaco-material do mundo externo, tão ameaçador e gratuitamente agressivo quanto destituído de senso e ofertação para alguma reluzente artístico-imanência-vivífica. Neste fluido-sanguíneo-basilar traço exuvial, Serguilha navega para maiores densidades da literatura-estrutura-estofo-questionamento, também em autotomia face a seus predadores conservativos e manipuladores da (in)cultura de massa. Entre a retirada árdua do próprio exo-esqueleto-palavrar e a própria autotomia de membros-termos-jorros para melhor imiscuir-se no ambiente que de fato lhe diz respeito, e sobreviver diante do cosmos capital-violento que destitui-se agressivamente de sentido a cada passo e torpe-ação, Serguilha bem se esguelha, fluido-massivo-te(x)to-subversivamente… Trata-se, então, de perceber, ex-sitamente delinear, a incidência do barroco exuvial e autotômico na poética de Serguilha, mas este já é tema rico e complexo o suficiente para nova textualidade, penso que para artigo crítico: a ser desenvolvido à parte…
Referências
BION, W. R. Conferências brasileiras 1. Rio de Janeiro: Imago, 1974.
BION, W. Cogitations. Milton Park: Routledge, 1991.
BION, W. Seminários italianos. São Paulo: Blucher, 2017.
BION, W. Domesticando pensamentos selvagens. São Paulo: Blucher, 2017.
BION, W. Bion em Nova York e em São Paulo. São Paulo: Blucher, 2020.
BION, W. Transformações. São Paulo: Hirondel, 2021.
CHUSTER, A. Linguagem de alcance psicanalítico: uma diferença transcendental. Ide (São Paulo) vol.44 no.73 SãoPaulo, jan./jun. 2022.
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 2015.
MACHADO, R. Deleuze, a arte e a filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.
MACHADO, R. O nascimento do trágico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
MAIA, V. No Rastro da Desconstrução: uma Introdução a Jacques Derrida. Rio de Janeiro: Mauad X, 2020.
SERGUILHA, L. Fragmentos da estética do Laharsismo. Guará, Goiânia, v. 4, p. 92-198, jan./dez. 2014.
SERGUILHA. ARCOBOLETA um SALTO uma Dança (vol ii, Obra Completa). A ser publicado em 2025.
SILVA, M. E. L. Bion: o zero da experiência. Psicol. USP 10 (1) • 1999.
STROZENBERG, P., DISITZER, E. O reviramento da verdade em Pirandello. Trivium vol.3 no.1 Rio de Janeiro jan./jun. 2011
WALZ, J. Escuta não oracular: um aporte a partir de Wilfred Bion. Estud. psicanal. no.51, Belo Horizonte enero/jun. 2019.
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Edson Manzan Corsi é psicanalista, escritor e tradutor. É Doutor em Estudos da Tradução pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal de Goiás (UFG). É coordenador do Capítulo Brasil Centro-Oeste (Chapter: Brazil Center-West) da Associação Internacional de Neuropsicanálise (NPSA). Realizou, na PUC-Goiás, especialização em Filosofia e a graduação em Psicologia. Na mesma instituição, lecionou Ética Profissional e Princípios Filosóficos. É autor de O expressionismo holográfico em psicanálise, O Taoismo e a dinâmica funcional do Wing Chun (aforismos filosófico-marciais), Escritos sobre psicanálise, filosofia e literatura (artigos), Insights freudianos: escritos sobre a contemporaneidade, entre a clínica e a teorização (ensaios e aforismos), Para além da interpretação britânica: as traduções de Freud e suas consequências para a clínica psicanalítica (tese doutoral), Modalidades do estranho na poesia de William Butler Yeats (dissertação), As preces do erotismo (aforismos), escrito com Bruna Alves, do livro de contos Inferno e Memória, publicado com apoio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, e dos seguintes livros de poemas, editados por vias próprias: Sombras do Momento, Duas Metáforas e um Sol e Estranho Livro Noturno. Ministrou, entre 2011 e 2017, um curso de extensão, pela PUC-GO, intitulado Psicanálise e Literatura, e apresentou outro, em 2012, chamado A Perversão na História da Arte, além de um curso na UNIVERSO sobre Filosofia do Direito. Exerce a clínica psicanalítica em consultório particular, e realizou o Curso de Formação em Psicanálise pelo GETEP – Grupo de Estudos e Transmissão em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae (SP), em parceria com Instituto e Clínica Dimensão (GO). É praticante e pesquisador de Wing Chun, sob orientação do SiFu Rogério Baeta (Clã Moy Bai Da) – formado pela Moy Yat Martial Intelligence.