“Rompem as palavras no diafragma” I Ramiro Torres
NAS PULSACIÓNS
O universo arde na penumbra
enquanto oceanos insones
anegam o conhecimento com
os seus relâmpagos invisíveis,
fluxo da obscuridade primordial
de todo o existente impregnando
os olhos olvidados da sabedoria
a se transparentarem numa terra
ainda por chegar à consciência.
Nós desaparecemos nessa ilha
que atravessa todas as pálpebras,
refugiada na noite como astro
a fulgir no interior dos corpos,
reféns de uma viagem imóvel
até o início da linguagem e
o seu percurso aniquilante
sobre o cadáver da realidade,
inebriando a nascente de todo
o amor estourando no vivo.
(Novembro 2021)
*
BAIXO TERRA, NO AR
A casa da penumbra anula o corpo
e desanda os braços do silêncio
com uma serpente dormida
sob os olhos da consciência,
perscruta os incêndios da luz
desde a terra proscrita por
todo esse amor em pausa que
o medo arrasta nas suas mamilas,
enquanto não acolhemos a noite
entre os braços esfameados
deste fulgor primigénio onde
desovamos a alquimia láctea,
aprendendo a vaziar-nos na
imensidade solar do real.
(2022)
*
DESDE ONDE NON NACE
O poema salta dos poros ao
espelho incendiado que somos,
desprende navegações como
luas enfraquecidas nas mãos
transparentes desta linguagem
onde desaparecem os mapas,
enquanto cada palavra acode
a uma chamada anterior ao sol,
aberta à sua comoção inicial
no bosque ardido entre o eu
e todas as ilhas brancas que
procuram respirar no adentro.
(2024)
*
VANGARDA ULE
A palavra procura fogo vermelhamente
descido aos olhos equinociais
da cosmologia roubada ao tempo,
permanece na musculatura silente
de cada animal insone que respira
no adentro deste bosque inconcluso,
aguardando por ti como um oceano
na beira do cognoscível, repetindo
o teu nome agachado na penumbra
de todas as formas, infatigavelmente,
com a sua água irisada atravessando
o assombro de ser nua imensidade.
(2024)
*
ROMPE
Rompem as palavras no diafragma,
ardem estátuas dormidas nos braços
de uma cosmologia irredenta ao saber,
anoitecem os animais desterrados entre
as pálpebras de um bosque invisível
na procura deste assombro quotidiano
em que desabam prédios abandonados,
enquanto um calor infinito emana ninhos
ante a iminência do oceano interior onde
abdicam os limites e respira o universo.
(2024)
♦
Ramiro Torres nascido na Corunha, Galiza, 1973, cidade onde reside atualmente. Publicou obra em revistas como Poseidónia e Agália, participando em vários blogues coletivos e na obra coletiva Áncora no alén, com gravuras de divers@s artistas plástic@s e poemas, dedicada à figura de Urbano Lugrís, 2008. Em 2012, saiu o seu primeiro livro individual, publicado dentro do Grupo Surrealista Galego, Esplendor Arcano. Considera que o trabalho da poesia é uma parte do apuramento da condição de ser humano, na procura de contactar com o que o funda e transcende constantemente e que tão só se pode integrar desde o assombro e o intento de libertação de todo condicionamento alheio ao ser.
Estes poemas surgiram em diálogo com as respectivas obras do grande escritor Manuel López Rodríguez. Agora foram convertidos num quinteto poético à procura desse encontro constante entre o fogo da linguagem e a vida, que tanto e tão bem leva a cabo Manuel no seu delicado trabalho de achar novas maneiras de ver e perceber a Realidade.
Índice de poemas com links de acesso à obra de Manuel López Rodríguez:
NAS PULSACIÓNS
BAIXO TERRA, NO AR
ROMPE
DESDE ONDE NON NACE
VANGARDA ULE