6 poemas de M.B. McLatchey
Sorrindo para o Carrasco
Recuse o seu sentido de dano e o próprio dano desaparecerá.
– Marco Aurélio, Meditações
Como se o barril fosse uma flor de lotus;
as suas raízes ancoradas na lama.
O quão irrefreável
pela água lamacenta, submerge
e refloresce: pétalas como cristal
envidraçado e sem resíduo.
Como se você nunca sentisse algo mover:
nenhuma dor bem-vinda e presciente,
nenhuma flexão repentina, nenhum ciclo toma forma.
Nenhuma memória. Nenhum calendário. Nenhuma concessão –
Porque você é o escudo da bala. Como se
Você não tivesse nada a perder. Como se tudo o que você tivesse
aprendesse a amar: o coração pulsante; a luva mítica
de uma palmeira florescendo no ventre; a essência que segue
o toque – é repentinamente poeira. Apenas o olhar fixo,
para baixo, aberto e de dentes brancos desta vez;
a prática estabelecida e permanente sobre os seus joelhos
a dominar os apelos de alguém mais.
*
Sanriku
O jogo não era olhar – mas sentir –
o lento arrastar, a subida distante
e cair, a revolta quieta das cimeiras
ganhando um submundo; saber em nossos calcanhares
o momento de seus avanços: lânguido, insidioso.
“Sanriku!” um de nós chamaria –
um aviso ao resto que era iminente
e com uma elevação, uma solidariedade,
nós nos jogaríamos rumo à praia,
arremessando e rolando numa força ondulada.
Submersa, eu ouviria aquele chamado
como o murmúrio da água, ou soluços agitados
de pescadores da Ásia, que tarde demais sentiram
o deslizar das placas, o chão encurvado,
a pequena onda missionária passando
sob os seus barcos; que, mergulhados
em tamanha dor, nunca conheceram
a claridade em seguida a todo tremor –
quando, por apenas um instante,
os contornos do leito do mar abaixo
espelham-se na água em torno
da nossa cintura.
Sanriku é um porto no Japão que foi destruído por um tsunami em 1896. Pescadores vinte milhas mar adentro não repararam a passagem da onda debaixo de seus barcos porque tinha somente a altura de aproximadamente quinze polegadas naquele tempo. Eles não estavam preparados para a devastação que os saudou quando regressaram ao porto de Sanriku – vinte e oito mil pessoas foram mortas e cento e setenta milhas da linha costeira foram destruídas pela onda que passou debaixo deles.
Odalisca
Luz temporã, o arrepio das almas em partida. Você desenha uma folha
para nos cobrir; a maciez do almíscar, o calor do corpo
vindo de um bolsão de ar, empurrado e caprichoso. A fragrância
de alvejante desbotado. Dou-lhe o curvamento das minhas costas, um não-evento.
Ainda, tudo aquilo arte. Ingres e A Odalisca de Ingres
que drapeja uma bolsa de jóias no veludo de uma cortina
ao redor da panturrilha; cujos quadris giram numa pincelada
de tons turcos. Um divã francês
ou esta cama: encenando nós precisamos
para nutrir nossas vidas naturais. Para sentir o corpo elevar
à extensão de um beijo. Mudança temporal
ao chamar de casa às almas – estômago, coxas – tal qual.
Um movimento no quadro ou pedra:
a minha boca aberta e seu murmúrio inarticulado.
*
Desculpa ruim
Como se em um ensaio sem fim,
Empacotei e desempacotei. O desafio,
Você disse, não era para tomar mais
do que eu precisava. Carinhosamente, você seguiu
a trilha da tempestade se movendo para dentro do leste.
Na cama, um mapa amassado cruzando os nossos colos;
você circulou uma cidade e destacou uma estrada.
Uma rota amarela, acetinada. Quando nós dormimos,
você tentou a rota, deixou as canetas
que guardou por dias como estas.
E as canetas eram chaves. Pistas
na paisagem lunar de coisas cobertas de poeira –
um par de luvas com pontas de camurça; um cachecol;
um anel. Ruínas como prova de um casamento,
o brilho esquelético da história, pequenas mortes, pequenas
vitórias. Maestro, a minha paloma em luto,
outra chance? Coloque-me de volta naquele lugar
com estes sinais e gestos e promessa
de mais erros. E eu lhe mostrarei
as lições dolorosas feitas por amantes.
*
Catarse
Um homem corpulento na televisão diz que come sonhos recheados de geleia
desde que o médico lhe aconselhou mais frutas. A minha cabeça
enfiada sob o seu queixo, sinto você sorrindo. Uma piada bem vinda –
o que Aristóteles chamava de limpeza: o canal de comédia na cama.
Parcelas purificadas para clarear as nossas mentes, uma chance de
implantar, como numa colagem, o estrago das nossas vidas
em uma figura exagerada, comemore por ele; ame-o por dançar
quando os deuses o destacaram, empilhando-se em provações distorcidas.
Como se – por alguns instantes – estivéssemos assistindo a vida de
mais alguém se desdobrar. Pizza e cerveja, você minha poltrona, enfiada nos nossos lençóis.
Como se – por alguns instantes – tivéssemos subido a alguma fonte
para deleite na pedra cozida pelo sol, tome os Mistérios Dionisíacos:
sabedoria da videira – estações, uvas, vinho. Nada jamais verdadeiramente morrendo.
E nós, iniciantes afetuosos, rindo tão intensamente quanto chorando.
*
Contra Elegias
E se o deixássemos cantar primeiro?
E se procurássemos por você no olhar
em branco de Mallarmé: pássaros em volta de um prato vazio,
membros duros? Para contar a história da nossa dor
acordamos numa porta vazia
e uma folha de bordo
ou uma mulher com cachos no pescoço, chamada Jane,
transformada pelo amor por um professor de poesia
em uma ferida de carriça na luz. Cintilando anódino.
Elegias tão resolutas na floresta ou nas asas
que esquecemos as mais verdadeiras
medidas de coisas inacabadas:
a distância entre os dois
hábitos desaparecendo; o eco
de uma promessa instalada na garganta de um rouxinol;
a distância de um menino sonhador balançando
de seu membro favorito; o retalho rasgado
abaixo – nossa razão para encontrá-lo.
Se o luto é um modo de trabalhar a madeira,
Construir alicerces, embalando pássaros –
Então as mãos nos manterão cuidando das coisas
perto demais. E se este ar de junho
circulasse, sem cair sobre, nossos sinos de cobre
com a passividade da prece?
E se a brisa que carregaria
A dor perfeita de um pássaro fosse se ajoelhar
ao pé de um orvalho, e se recusasse a reerguer-se?
Tradução para português: Kátia B. de Mello Gerlach
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M.B. McLatchey é poeta e escritora, residente na Flórida (E.U.A.), onde vive, escreve e leciona. É Professora de Humanidades na Universidade Aeronáutica Embry-Riddle e Chanceler da Associação de Poetas do Estado da Flórida. Poeta Laureada do Condado de Volusia, atua como Embaixadora das Artes e Bem-Estar no Atlantic Center for the Arts e como Embaixadora dos EUA para a fundação global HundrED, dedicada à inovação na educação. Colabora também como leitora de poesia para a revista SWWIM, com sede em Miami, e é produtora de uma série de vídeo-poesia. Autora de seis livros, McLatchey destaca-se pela sua contribuição ao mundo literário e educativo.