Revisitando os 50 anos da música de Abril: Galiza e Portugal, memórias irmanadas I Hugo Milhanas Machado
Teve lugar durante os meses de Abril e Maio do presente ano, enquadrado na programação do Camões, Centro Cultural Português em Vigo a respeito das celebrações dos cinquenta anos da Revolução de 25 de Abril de 1974, o curso de conversação “50 Anos de Música de Abril [1974-2024]”, cuja apresentação, de maneira a situar os argumentos articulados, se transcreve integralmente: “Quando se assinalam cinquenta anos sobre a emblemática Revolução de 25 de Abril de 1974, o presente Curso de Escuta, Leitura e Conversação em Língua Portuguesa promove um regresso às imagens sonoras que ajudaram a desenhar e a construir a memória de um dos mais marcantes e significativos episódios da história nacional. Nesse sentido, propõe-se no ciclo 50 Anos de Música de Abril [1974-2024] a recuperação, leitura e escuta comentada dos motivos musicais que marcaram de modo fundamental o processo político, social e cultural da Revolução de Abril, ponderando tanto o ambiente sonoro prévio ao desencadear do processo revolucionário, contextualizado nas devidas coordenadas históricas, como os fenómenos simbólicos decorrentes do mesmo e a sua cristalização como depositários da Memória de Abril. Desta forma, serão considerados e alvo de discussão, entre outros, os trabalhos de artistas como José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Vitorino, Luís Cília, José Mário Branco, Francisco Fanhais, José Carlos Ary dos Santos, Simone de Oliveira, Manuel Freire, Fernando Tordo, Sérgio Godinho ou Fausto Bordalo Dias, essenciais para a conformação desse mosaico sonoro associado à Revolução dos Cravos e à preservação do espírito combativo e galvanizador de tão singular e memorável episódio da história portuguesa.” Nesse mesmo sentido, vertebrando o plano de trabalho a desenvolver, considera-se um programa com os seguintes pontos e fluxos de ponderação: 1. Contextos sonoros no Portugal do Estado Novo; 2. Poesia e música de resistência e intervenção; 3. Cancioneiro popular e tradicional, folclore e canção de protesto; 4. Passos sonoros e radiofónicos no desenho da Revolução de Abril; 5. A música portuguesa e a construção da Memória Democrática; 6. Releituras e roupagens contemporâneas da música de Abril.
Desenhado como um ciclo de encontros de escuta lenta e debate a partir de objectos fonográficos implicados na conformação da memória musical de Abril, o desenvolvimento deste curso em contexto galego volta a sinalizar a singularidade da irmandade de Portugal e Galiza no cuidado de um património afectivo e emocional comum, motivo de partilha e celebração com poderosos traços identitários e profundas raízes emanando de elos de carácter histórico, social e cultural. Calibrando uma paisagem sonora partilhada, manifesta-se, pois, a coabitação de um texto comunitário e pessoal percebido como canal de acesso a um arquivo histórico em pleno estado de revisitação, vulnerável a novos significados e perspectivas. Em concreto, e a modo de consideração sumária sobre o desenrolar das sessões do curso “50 Anos da Música de Abril”, cumpre assinalar o profundo respeito e envolvimento proporcionado pelo processo de escuta repousada e atenta de um elenco sonoro o mais representativo possível do processo histórico nuclearizado na madrugada de 24 para 25 de Abril de 1974, convite a uma profunda reflexão nos termos propostos pelo mosaico musical considerado e veículo condutor de experiências, memórias e interpelações de diversa índole, assentes sempre nesse particular sentido de uma narrativa histórica irmanada, reveladora de um caminho feito de vizinhanças, proximidades e, palavra mágica, a palavra capital naquele “Grândola, Vila Morena” de Zeca Afonso que no dia 25 de Abril ecoou de maneira tão vibrante em Vigo, Pontevedra e Santiago de Compostela, e não apenas, talvez a palavra que afinal mais importa, a palavra que junta povos e abraça o trilho da paz, a palavra fraternidade.
* coordenação do curso 50 Anos de Música de Abril