5 poemas de Claudia González Caparrós
Encontrava consolo no serrim, nas esporas dispersas pelo ar nas migas do pão: em todo
aquilo que desprende de algo, que constitui um resto, que se rejeita e rara vez implica uma
entidade. Ali repousa a latência do que não se nomeia, as potencialidades do que soube desejar,
mas não esclarecer.
*
A festa do meu corpo entre os pinheiros
cumpre-se no olfato:
um enigma parece desvelar-se
com cada inalação, como se um tempo
de novidade, ou um mundo antigo,
se nos fosse restaurado
com um sopro ficaram consignados
os espaços por onde, daqui em diante
nos será possível transitar,
e, embora não tenham respondido,
demos a todos os animais um nome;
falamos com a língua do feitiço, a caprichosa
língua que, em cada movimento,
torna todas as coisas interpretáveis
que estranho animal somos, estendidos
sobre um rochedo jovem, arquejando
na hora da sesta, incapazes
de entender o idioma consensuado por ambos
que exacta a aromática pulsão
que aquilata a paisagem, que decompõe
do verbo o seu pretérito, da cavidade
o corpo que a ocupa.
*
Um punhado de sintomas deu-me, um belo ramo: este é o teu corpo, disse-me, e este o teu carácter.
Ordenei-o primeiro por cores; mais tarde, por tamanho. Depois deixei-o repousar e a ordem pactou
com o caos, misturando rasgos e ignorando decisões. Nunca estás presente onde estás, disse-me.
Para ti não há cura. Rega este belo ramo e te conservarás; cuida o teu instinto. O restante chegara só,
disse-me, ou não chegará.
*
sobrevém o sonho que me isola,
encolhe um sonho sem linguagem,
cascavel
que embala a minha consciência, a água
que pelo meu corpo flui e cantarola
*
Transito pelas arestas do mundo imaginado, pelos restos do dizível, pelo vínculo que une
os homens das coisas e alguns dos meus nomes. É um laço lábil e poroso porque nomear
é um deslocamento imperceptível, mas definitivo. Um mundo imaginado é sempre idêntico
a si mesmo, mas sempre difere, como um corpo que precisa de doenças mínimas: algumas
manchas na pele que não o alteram, mas que lhe demonstram que segue vivo e em transformação.
Assim é como a lembrança se acomoda à transformação?
*
(Tradução do castelhano para português por Tiago Alves Costa)
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Claudia González Caparrós nasceu na Corunha em 1993. É licenciada em Estudos Literários pela Universidade de Barcelona, mestre em História da Arte Contemporânea pela Universidade Autónoma de Madrid e mestre em Literaturas Hispânicas pela Universidade de Indiana (Estados Unidos). É co-fundadora da Crisi, um espaço de pensamento e livraria cooperativa na cidade de Barcelona, onde trabalha como livreira e professora. Também traduziu autores como Barbara Guest, H.D. e Kenneth Koch, e publicou os livros de poesia “Se a carne é erva” (Sully Morland), “olho-te como quem assiste a um degelo” e “Os augúrios são rejeitados”, todos na La Bella Varsovia.
Estes 5 poemas fazem parte do livro”Los augurios se rechazan” ( La Bella Varsovia, 2023).