Entrevista I Carlos Taibo: “O Porto é uma cidade galega”

Carlos Taibo Arias (Madrid, 1956) é um pensador incómodo e indispensável. Durante 30 anos, foi professor de Ciência Política na Universidade Autónoma de Madrid, além de escritor prolífico e ativista comprometido. Tornou-se uma voz central na crítica ao crescimento económico desenfreado e na defesa do decrescimento, da democracia direta e da autogestão. Autor de obras como Colapso: capitalismo terminal, transição ecosocial, ecofascismo (2016) e España vaciada: despoblación, decrecimiento, colapso (2021), desafia-nos a repensar o futuro face às crises socioambientais que enfrentamos.
A sua relação com o Porto, tema do seu recente livro O Nosso Porto (Através Editora), revela uma visão singular da cidade, moldada pela chuva, pela névoa e por uma história partilhada com a Galiza. Além disso, fascina-se por figuras como Fernando Pessoa e Walter Benjamin, pensadores que, tal como ele, interrogaram as contradições da modernidade e a complexidade da existência humana.
Nesta entrevista, Carlos Taibo reflete sobre o Porto e a Galiza, o decrescimento, o colapso ecológico e o papel da literatura e do ativismo na construção de um mundo mais justo. Uma conversa que nos desafia a questionar o presente e a imaginar novas alternativas.
Carlos, publicaste recentemente O Nosso Porto pela Através Editora. O que te levou a escolher a cidade do Porto como tema central desta obra?
Sempre gostei do Porto. Creio que os escritos de Miguel Torga reproduzem de maneira razoável a minha visão da cidade. Além disso, boa parte do meu conhecimento da literatura portuguesa tem a ver com o Porto. E, ainda que às vezes os habitantes da cidade possam parecer antipáticos – algo comum nas cidades de cariz industrial e comercial –, eu encontrei sempre gente muito próxima.
Como foi o processo de pesquisa e escrita?
Foi uma combinação de conhecimentos pessoais adquiridos durante décadas e leituras mais ou menos especializadas. Descobri, ou vi com outros olhos, o Porto oriental, o da Manchester lusitana e as suas ilhas. Foi um processo que me permitiu redescobrir a cidade, não apenas como um espaço físico, mas como um lugar de memórias e identidades em constante transformação.
Sendo galego, sentes que vives o Porto de uma forma diferente?
Para mim, e por muitos conceitos, o Porto é uma cidade galega. Dessa visão participam a chuva e a névoa, mas está também presente uma velha ideia que tem a ver com a Gallaecia romana, o alicerce de tantas coisas, que terminava no Douro. Esta ligação histórica e cultural faz-me ver o Porto não como uma cidade estrangeira, mas como uma extensão natural do meu próprio território.
Acredito que só através de uma consciência coletiva e de políticas que privilegiem o local sobre o global poderemos encontrar um equilíbrio
O livro aborda questões contemporâneas como a turistificação e os preços dos alugueres. Na tua visão, como a Galiza e o Norte de Portugal enfrentam estes desafios? Existe um caminho para equilibrar a preservação da identidade com as pressões económicas globais?
Suponho que existe, mas é difícil de encontrar. Parece-me que o velho Porto é irrecuperável. De qualquer maneira, o problema é mais geral e fala da necessidade de outorgar muito maior relevo à cultura e de defender, em muitos âmbitos, as práticas do decrescimento. Acredito que só através de uma consciência coletiva e de políticas que privilegiem o local sobre o global poderemos encontrar um equilíbrio.
A tua carreira é marcada por uma combinação entre escrita prolífica e ativismo político e social. Como equilibras estas dimensões tão exigentes? Há um impacto direto do teu ativismo na tua produção literária?
Creio que não. Por isso tenho o hábito de empregar a palavra extravagâncias para descrever essa produção quase literária. Além disso, as viagens proporcionam muito tempo para ler, para pensar e para trabalhar. O ativismo e a escrita são duas faces da mesma moeda, mas cada uma segue o seu próprio caminho.
Durante mais de três décadas, lecionaste Ciência Política na Universidade Autónoma de Madrid. Essa experiência académica influenciou a tua abordagem literária e a tua visão sobre os temas que abordas nos teus livros?
Não. Nem sequer posso presumir de ter alcançado um conhecimento certo do que eram os meus alunos. Entendi sempre o trabalho na universidade como um privilégio que me permitia, sem mais, dedicar muito tempo a outras tarefas.
A Galiza e o norte de Portugal exibem traços que convidam a concluir que, nesse cenário do colapso, pode ser menos trágico do que noutros lados
Muitas livrarias de Barcelona exibem os teus livros em destaque. Existe também uma relação especial entre ti e esta cidade?
Recebo mais convites para palestrar em Barcelona que em Madrid, onde vivo. Tenho, de facto, algumas livrarias de gente amiga. E Barcelona é uma vila espetacular no que diz respeito à presença dos movimentos sociais alternativos, e nomeadamente dos libertários. A cidade tem uma energia única, que a torna um espaço de resistência e criatividade.
Trabalhos anteriores como Colapso, Ibéria Esvaziada e Ecofascismo abordam os novos paradigmas da sociedade e conceitos como decrescer, desurbanizar, destecnologizar, despatriarcalizar e descolonizar. Como vês a aplicabilidade destes conceitos no Porto, na Galiza e, de forma mais ampla, na Península Ibérica? Que impacto esperas que tenham no futuro?
O debate está aí, ainda que, infelizmente, avançamos de forma muito mais lenta que a que marcam as agressões do sistema. O horizonte do colapso e o do ecofascismo falam de realidades que já estão, aliás, aqui. Mesmo assim, a Galiza e o norte de Portugal exibem traços que convidam a concluir que, nesse cenário do colapso, pode ser menos trágico do que noutros lados.
Acredito que a literatura, como a vida, deve ser um espaço de questionamento e de busca por alternativas
Além destes temas, Fernando Pessoa também surge na tua obra. O que te levou a explorar o “Pessoa galego-português”? Que contributo achas que essa perspetiva pode trazer para os leitores de hoje?
O meu interesse por Pessoa tem mais que ver com o ser humano que andava por trás do poeta que com este em sentido estrito. Tenho certa predileção por personagens tristes que não foram felizes (ou que chegaram à felicidade através de caminhos muito complexos). Estou a pensar, além de Pessoa, em Walter Benjamin ou em Simone Weil. As suas obras são um espelho das contradições e dos dilemas do mundo moderno, algo que continua a ressoar nos dias de hoje.
Para finalizar, o que esperas que os leitores retirem não apenas de O Nosso Porto, mas do conjunto da tua obra? Há uma mensagem ou reflexão que consideras essencial no contexto dos tempos que vivemos?
Não há nada essencial porque não há nada destacável em mim mesmo. Nem sequer posso presumir de escrever livros amenos e divertidos. Acredito que a literatura, como a vida, deve ser um espaço de questionamento e de busca por alternativas.

“O nosso Porto” Carlos Taibo (Através Editora)