4 poemas de Christian Dancini
SOBRE TEUS CABELOS DE FOGO
As crianças da manhã brincam como anjos despertos.
O sulco profundo das nuvens, a inexprimível sede do presente,
a vida acontecendo como um trem fora dos trilhos.
A paz de uma magnólia fervia a terra e a relva.
Eu encontrei teus cabelos de fogo chamejando
na volátil paz das paisagens. Porque, quando me beijaste,
teus lábios macios se inclinaram na vertical, quase como
que apontando para a direção da eternidade.
E as crianças, que são anjos despertos, brincam com a manhã.
Cupido com uma flecha de ouro atingiu meu coração,
e um lume se fez verdade, quase como um ímpeto de
cavalgar cometas.
Mas, como se fosse possível, o fôlego das rosas espetam
a minha garganta, e agem como se os espinhos fossem lágrimas.
Para teu lume, uma náusea efervescente desmancha no meu esôfago;
nada mais existe, tudo está desfocado, mas tu, jamais, tu, jamais…
*
LIBÉLULAS DENTRO DO CRÂNIO
Fazer da palavra, afasia.
Adormecer luz na tenra infância do mundo.
Mudando a disposição dos versos que sonham
antropofagias, na beira das ondas lexicais do pensamento:
um paradigma inócuo.
Um pássaro perde as asas e pede à deus
que abra um paraquedas de uma leveza combativa,
tiritando contra o vento e a gravidade que ruge,
independente do momento.
Eu faço da tua imagem, uma escultura de vento,
como se fosse criar uma vida feita de sopro,
nas beiradas da escuridão anímica.
Fazer da afasia, um hábito.
Confundir o som do coração trepidando
com a inconformidade arfando.
A lua escorre por dentro da minha caixa torácica,
que explode corvos e sabiás para fora da razão.
Eu sou o que falta nos ramos das árvores de outono,
permeando a vida humana de consciência
e de libélulas, dentro do crânio.
*
AS FLORES
As flores, fulminadas, ardem noite para fora do universo.
Dentro dos olhos fechados, a Via Láctea urge,
dominando aos poucos, as estruturas da língua;
e eu agradeço às estrelas — por vezes breves e imaculadas,
a tilintar no céu de agosto —.
Então, inunda-se o peito feito ferro e fogo, lodo e ferrugem;
os passos nas bordas se erigem em tremendo ardor,
fulgurando a inércia de um besouro, ou a metamorfose de
uma borboleta, nas mãos pálidas de novembro, nos cálidos
lírios oxidados.
A primavera é como uma chama; os espinhos da garganta
revolvem para dentro da consciência.
Paro no meio-fio, chuva e silêncio escorriam pelos meus dedos frios;
sigo a loucura da água até o sul dos sentidos: floresço.
No âmago da terra, enraizando-me profundamente, quase obtuso, floresço.
Enquanto as flores fulminadas ardem peixes que mergulham no sangue negro
da aurora, escrevendo começos que findam, velozes, e fins que recomeçam
sem razão, no horizonte:
como se soubessem sonhar através de um grão.
*
O POEMA QUE NUNCA COMEÇOU
Pétala por pétala, a flor dizima
sua existência soturna.
Peixes que dormem sob a escrivaninha
libertam a madrugada.
As paredes adormecem crepúsculos
no sono voraz de um leão,
na vigília atenta de uma esferográfica.
A infância me visita às vezes,
assombrando nostalgias e palidez
nas estruturas da mente, no lume da consciência.
Aquilo que sou não condiz com o que fui,
como se fosse possível transmutar a noite.
Mil cavalos irrompem — em um berro — para dentro
da folha.
Pois se encerro aqui o poema,
é justamente para dizer
que nunca nem mesmo o comecei.
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Christian Dancini de Oliveira é um poeta nascido e residente de São Roque, São Paulo, que escreve poesia desde os onze anos. Por isso, com 15 anos lançou a obra ‘Fragmentos de uma aurora’ em PDF para baixar gratuitamente através do site Projeto Livro Livre. Posteriormente lançou um audiobook desse mesmo livro com a parceria de Eduardo Agni. Aos 22 anos, publicou seu primeiro livro chamado Reminiscências, com prefácio de Renato Gonda e Eduardo Agni, com ilustração de Emerson Santana. Além deste livro que lançou de forma independente, ele já lançou pela editora Opera o livro Pleroma. Christian Dancini tem obra publicada nas revistas Mallarmargens, Variações, Ruído Manifesto e pela revista da Editora Trevo, além de ter dois audiolivros e um livro disponível para baixar gratuitamente. Agora, em 2024, lançou o livro Dialeto das Nuvens pela editora Patuá.